Diógenes Júnior: O de Osasco, V de vingança, C de chacina; uma sina

Cena cotidiana: moradores de um bairro da periferia de São Paulo bebem cerveja em um bar enquanto as luzes da rua começam a ser acesas.

Por Diógenes Júnior*

Chacina em Osasco 2015

A mesa de bilhar, a cachaça e a cerveja, a discussão sobre futebol, a máquina caça-níqueis que toca a trilha sonora, rotina do lugar.

O bêbado, o servente de pedreiro, o viciado, o desempregado, o ex-presidiário

Nesse ambiente democrático todos buscam o mesmo propósito.

Distração.

Entre um gole de cerveja, o trago no cigarro sem filtro e o “corte” na cachaça barata o tempo para, e ouve –se o som da freada brusca de um carro estranho na vizinhança.

Assim como o carro era estranho, três figuras estranhas saem do estranho carro e entram no pequeno estabelecimento.

Seus frequentadores se assustam mas não estranham os movimentos daqueles três estranhos encapuzados.

Estão habituados a esse tipo de movimento quando são abordados pela polícia.
Gestos e movimentos calculados, os invasores do local cumprem uma rotina que quebra a rotina do lugar.

“Encosta, encosta na parede todo mundo! “Perdeu, perdeu!”

“Quem tem passagem?” “Vai , vai! Quem tem passagem vai logo rachando que a gente já sabe quem é quem aqui!”.

Ainda atordoados pela repentina quebra da rotina, os freqüentadores levantam as mãos e vão se enfileirando na parede.

O rápido interrogatório aliado à experiência dos interrogadores em decretar veredictos ajuda na rapidez do julgamento.

São absolvidos os que respondem negativamente à pergunta sobre antecedentes criminais.
São condenados os que declaram ter alguma passagem criminal.

A pena capital é aplicada instantaneamente: dois freqüentadores do bar são separados dos demais e executados a tiros.

Seus pecados mortais: cometeram algum crime no passado, por mais longínquo que seja tal passado, por mais que tal crime tenha sido “pago”.

E depois do barulho ensurdecedor dos disparos, ouve-se a máquina caça-níqueis disparar:

“justiceiros são chamados por eles mesmos
matam humilham e dão tiros a esmo
e a polícia não demonstra sequer vontade
de resolver ou apurar a verdade
pois simplesmente é conveniente
porque ajudariam se nos julgam delinqüentes…

Na triste realidade construída pelos grupos de extermínio, o significado da palavra “Justiça” foi seqüestrado e substituído pela violência da palavra “vingança”.

Na triste realidade que define a falência da Segurança Pública no Estado de São Paulo, quando um policial é morto, um grupo de extermínio se reúne­­ para “dar uma resposta à altura” ao crime e vingar o colega morto.

Um “alvo” é escolhido: aquele bar onde o bêbado, o servente de pedreiro, o viciado, o desempregado e o ex-presidiário se encontram para compartilhar suas tristezas e alegrias, certamente que muito mais as primeiras do que as últimas.

Vingança em curso, duas pessoas que nada tiveram a ver com a morte do policial jazem em poças de sangue, assassinadas.

O espiral da vingança se comprime como uma mola: após o crime as autoridades da Segurança Pública tentam a todo custo adiar o momento de declararem o que toda a população já sabe: que as execuções foram cometidas por agentes da Segurança Pública.

“Se eles vem de fogo em cima é melhor sair da frente
tanto faz ninguém se importa se você é inocente
com uma arma na mão eu boto fogo no país
e não vai ter problema eu sei estou do lado da Lei..
.”

Não frequentar o lugar onde a mesa de bilhar, a cachaça e a cerveja são a única diversão do bêbado, do servente de pedreiro e do ex-presidiário nos salvará da próxima investida dos justiceiros, ou de uma vingança que seus atos podem ter deflagrado contra si mesmos?

“Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida”
disse Neruda.

Digo eu: apenas a punição rigorosa para aqueles que praticaram mais essa chacina poderá nos dar alguma esperança na Justiça.

*Diógenes Júnior é comunista, estudante e pesquisador independente