"Vamos julgar neste semestre, espero", diz Mendes sobre financiamento

Engavetando há mais de um ano o julgamento da ação sobre o financiamento privado de campanhas políticas, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse nesta segunda-feira (10), que o julgamento "deve" voltar ao Plenário da corte no segundo semestre de 2015.

Gilmar Mendes é ministro do STF

“Vamos devolver agora. Vamos julgar ainda neste semestre, espero”, afirmou o ministro. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650 foi interrompido em 2 de abril de 2014 por um pedido de vista de Mendes quando o placar da votação estava 6 a 1 favorável ao pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, que quer a declaração de que dinheiro de empresas em campanhas viola a Constituição.

Em abril, também em São Paulo, o ministro disse que a demora em definir o julgamento se deve ao fato de se tratar de “uma matéria bastante complexa”. “Talvez nós estejamos dando uma resposta um pouco simples (ao considerar o financiamento privado inconstitucional)”, explicou na ocasião.

Nesta segunda, Mendes também foi lacônico ao ser perguntado sobre a tentativa de viabilizar o impeachment da presidenta Dilma Rousseff por setores mais à direita da oposição. “Essa é uma questão que está submetida ao Congresso e terá que ser examinada lá”, disse apenas.

Ele proferiu uma palestra sobre o tema “Constituição e Religião”, em evento promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Sobre as agressões cada vez mais comuns a templos religiosos de matriz africana no país, o ministro disse que “o poder público tem que tomar medidas no sentido de proteger templos e instituições”. “(O poder público) tem o dever de proteger, de deixar que a religião se exerça. Ele tem o dever de proteção inclusive dos locais onde se praticam os cultos.”

Mas proteger como? “Com todas as medidas, inclusive com o poder de polícia”, respondeu.

Estado laico

Na palestra, Mendes falou e foi inquirido por internautas sobre o Estado laico e questões pertinentes ao tema. Por exemplo, uma advogada perguntou como se pode dizer que o Estado brasileiro é laico se o preâmbulo da Constituição Federal diz que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus” e se locais públicos (como o próprio STF e parlamentos país afora) ostentam a cruz sistematicamente. “Essa é uma tradição do nosso constitucionalismo. (O preâmbulo da Constituição) é um texto enunciativo, e não normativo”, disse. “O fundamento para a presença do Cristo nos locais públicos é de índole cultural, e não religiosa. É uma manifestação da cultura cristã”, afirmou.

Segundo o ministro, existe uma confusão entre o que é laicidade (referente a secular, laico) com laicismo (anticlericalismo). “Laicidade não pode ser confundida com laicismo. Um Estado laico não significa que seja inimigo da religião.”

Está no STF uma ação (a ADI 4439) sobre o tema ajuizada em 2010 pela então procuradora-geral da República em exercício, Deborah Duprat. Segundo o site do tribunal, a PGR defende que só há uma maneira de o caráter laico do Estado brasileiro conviver com o ensino religioso nas escolas públicas: o modelo deve ser não confessional, ou seja, o ensino precisa ter conteúdo programático, com caracterização das doutrinas e contexto histórico das diferentes religiões, incluindo as posições não religiosas. Para a Procuradoria-Geral, não pode haver “qualquer tomada de partido por parte dos educadores”. O ministro Luis Roberto Barroso é o relator do processo no STF.

Na palestra, Mendes citou uma série de exemplos para mostrar a complexidade do tema estado laico e Constituição. A morte de animais em rituais religiosos é um deles. Mas há outros ainda mais complexos, como casos de tratamentos de pessoas autorizados pelo Judiciário que utilizam intervenções médicas (como transfusão de sangue) recusadas pelas famílias por motivos religiosos.