Emir Sader: Com Padura, do Hotel Nacional ao Marina

Faz dois anos e meio desde o último encontro que tínhamos tido, Leonardo Padura e eu, no Hotel Nacional – foi durante o Festival de Cinema de Havana, no final de 2012. Conheci Padura quando ele começava sua carreira de escritor e morávamos os dois em Havana, ele explorando um estilo novo, valendo-se da abertura política e cultural do final dos anos 1970 e começo de 1980, quando se havia recém fundado o Ministério da Cultura.

Por Emir Sader*, no blog da Boitempo

Leonardo Padura e Emir Sader - Arquivo pessoal

Dessa vez eu o tinha buscado com um duplo objetivo: entrevistá-lo para a TV Brasil e convencê-lo – a pedido de minha amiga Ivana Jinkings – a publicar O homem que amava os cachorros por sua editora, a Boitempo. Por estranho que possa parecer, ele tinha tido alguns de seus livros traduzidos no Brasil, sem maior sucesso, mas o seu mais importante ainda era inédito e as editoras que tinham publicado suas obras até então não pareciam mais interessadas nele.

Não foi difícil convencê-lo da excelência da Boitempo como editora, embora houvesse ainda travas da parte de quem detêm os direitos de seus livros em escala mundial. Até que finalmente o livro saiu no Brasil, pela Boitempo, com o sucesso estrondoso que mesmo os mais otimistas – como eu – não ousavam prever nessa dimensão. É provavelmente o livro mais vendido da Boitempo nos seus 20 anos de história, certamente o que mais atingiu a opinião publica e continua a ser vendido e promovido no boca-a-boca.

Padura veio para o lançamento na Feira do Livro de Brasilia, em abril de 2014. Não pude vê-lo, mas ele expressou em mensagem seu agradecimento e sua alegria pela beleza da edição e pela receptividade do livro aqui. Eu havia recomendado sua leitura para o então ministro Marco Aurélio Garcia, que por sua vez o tinha recomendado à presidenta Dilma que, numa entrevista ao Estadão, afirmou ser o livro que estava lendo e gostando muito. Para maior surpresa ainda do escritor, Dilma convidou-o para um almoço, situação que ele ainda não tinha vivido em nenhum país.

Eu estava fora do Brasil naquela ocasião, não pudemos nos reencontrar. Só fomos nos rever em sua mais recente vinda ao país, no início de julho. Nos encontramos em outro hotel, o Marina, do Leblon, no Rio. Sentamos num banco do lado de fora do hotel, com vista para a praia, num final de tarde ensolarado, para um papo de cerca de duas horas.

O primeiro tema, colocado por mim, foi como ele explica o sucesso espetacular do seu livro, em escala mundial. Ele arrisca algumas pistas: a primeira delas, o tema de como Cuba enfrenta seus próprios sonhos, de como a historia real recoloca diante dos cubanos versões a que eles não tinham acesso.

Mas parece ser bem mais do que isso. O livro corre em três canais separados e interconectados. Primeiro, a história do jovem comunista na guerra civil espanhola, enviado por sua mãe para se formar na União Soviética para tarefas especiais. Seu caminho até o México e a tarefa de execução daquele que era considerado o inimigo número um da União Soviética, o levam ao conhecido desenlace da história.

Outro é o triste exílio do próprio Trotski, banido da URSS, que chega ao México para tentar fazer o balanço das parcas forças políticas que lhe restam. O terceiro nível é o do narrador, um jornalista cubano que, numa praia próxima de Havana, em Santa Maria del Mar, se aproxima de um estranho personagem que acaba por lhe contar a sua história.

Nessa história o cubano vai reencontrando versões que ele nunca conhecera ou tivera visões muito distintas. Para ele é o acesso a interpretações que ganham mais sentido quando a própria historia do movimento comunista internacional a que Cuba esteve integrada sofreu transformações dramáticas e radicais.

O livro de Padura é uma versão em tom de ficção policial do que foi a gigantesca trilogia de Isaac Deutscher – os três profetas: o armado, o desarmado e o exilado –, que despertou naquele momento o impacto que tem agora o livro de Padura. Um romance que se presta a leituras distintas, daí que pessoas de esquerda e de direita tenham gostado e recomendado a leitura. O que em nada diminui suas qualidades extraordinárias.

Desta vez Padura esteve com Lula, com quem teve um encontro amistoso. O tempo curto não permitiu levá-lo para comer uma feijoada, ficou para outubro, quando virá lançar seu novo livro, Hereges. Antes de nos despedirmos, ele me recomendou muito o filme Retorno a Ítaca, inspirado em seu livro O Romance da Minha Vida. Fui assistir. Certamente será o primeiro assunto de nosso próximo encontro.