Vicente Goulart: Jogadas políticas lembram manobras do golpe de 1964

Em entrevista publicada no site da CUT, o filho do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart, identifica semelhanças da conjuntura política atual com as que antecederam o golpe de 1964, que depôs o então presidente Jango, e defende a formação de uma grande frente nacional contra o retrocesso.

João Vicente Goulart, filho de Jango

“Hoje nós estamos vendo jogadas políticas que nos lembram muito 1964”, disse João Vicente Goulart, afirmando que o financiamento empresarial é a grande conexão entre hoje e 1964.

E completa: “Hoje nós estamos na mesma situação tanto no que se refere à mídia quanto ao Congresso e ao financiamento empresarial. Está na hora de uma grande frente nacional. Acho que os partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e populares deveriam fazer essa frente e lutar por alguns pontos comuns, que são: não ao retrocesso, não ao ajuste fiscal e para exigir mais direitos para os trabalhadores e mais conquistas sociais”.

Segundo ele, as grandes empresas financiam campanhas em formas de doações e seus benefícios garantidos por meio de “acordos”. “Criam as bancadas de interesses empresariais. A bancada da bala, a bancada evangélica, a bancada ruralista, entre outras que criam segmentações de bancadas que fazem políticas por interesses daqueles que os financiaram. Temos uma semelhança muito grande com a eleição em 1962, ano que iniciou o processo do golpe”, pontua. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), uma campanha para eleger um deputado não sai por menos de R$ 2 milhões, e a de senador, por pelo menos de 5 milhões.

O golpe e a CIA

João Vicente afirma que o mandato de Jango, interrompido pelo golpe militar, foi financiado pela CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos. O governo do presidente Jango foi muito próximo a classe trabalhadora. Como presidente ele propôs reformas estruturais e aprovou direitos como o 13º salário e o voto para analfabetos, provocando a ira da elite, que teria menos lucros com os benefícios dados aos trabalhadores.

“A eleição para o Congresso em 1962, financiada pela CIA, elegeu mais de 140 parlamentares entre deputados e senadores para derrubar Jango”, observa João Vicente, resgatando o episódio da visita do ex-embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, em 2002, em que afirmou no programa Roda Viva que usou a CIA, com dinheiro americano, para depor o presidente João Goulart. “Lincoln falou que foram usados 5 milhões de dólares de verba secreta para derrubar Jango, que já era presidente na época e propunha várias reformas que atingiriam os privilégios das elites, que é o que está acontecendo hoje”, salientou João Goulart.

“Esse Congresso, eleito em 2014, está comprometido com o dinheiro no qual eles foram financiados. É por isso que eles não têm nenhum pouco de responsabilidade com o povo brasileiro, sequer obrigação”, diz João Vicente, comparando com 1964.

E acrescenta: “Esse presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por exemplo, é unha e cara lavada do então presidente do Senado, Aldo Moura de Andrade, que decretou vaga a Presidência da República em 1964, legitimando o golpe civil e militar com o presidente dentro do país, em Porto Alegre, tentando resistir”.

Para João Vicente, “as elites não aguentam mais perder eleição”. “Estão se articulando como um cavalo de corrida paraguaio, assim como aconteceu com o presidente Lugo [deposto no Paraguai]. Com um Congresso comprometido com estas elites, comprometido com grandes financiamentos e isso é uma consequência da falta de uma reforma política, assim como Jango queria na época, reformas estruturais para o país. Nós estamos falando de reformas há 50 anos e até hoje não houve”, critica João Vicente.

“Apesar da grande diferença temporal são semelhanças muito cognitivas: o Congresso da época, o golpe que estava sendo preparado em 64 e as movimentações de traições políticas como as que vêm acontecendo hoje, principalmente na base parlamentar de sustentação ao governo”, compara João Vicente.

Mídia golpista

Ele também destaca o papel da mídia no golpe. “Jango ficou taxado pela grande mídia de comunista, porque quando o presidente Jânio Quadros renunciou, ele, que era vice e deveria assumir o poder, estava na China. Na época quem era amigo da China era comunista”, explica João Vicente, destacando que as manchetes de jornais insuflando atos da direita conservadora como a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

Segundo ele, eventos considerados aparentemente “desconexos” foram tomados como reações espontâneas de segmentos da população quando na verdade, essas manifestações apresentavam uma sólida coordenação por parte da elite através da imprensa.

O sociólogo e jornalista Laurindo Lalo leal Filho, também ouvido pela reportagem, afirma que a mídia sempre esteve ao lado das forças das elites mais conservadoras contra os movimentos populares, contra os governos que têm origens mais populares. “Isso se mantém até hoje quase que de forma indistinta. Talvez até em 64, a gente pode dizer que a força da imprensa, apesar de poderosa, inclusive teve participação decisiva no golpe, era ainda naquela época menor do que é hoje”, afirma o jornalista.

Naquela época a televisão não estava em todas as casas. Hoje, mais de 90% têm televisão em casa e 95% das pessoas se informam pela TV. “A televisão é mais concentrada ainda, no ponto de vista político e ideológico do que os jornais que ainda abrem um espaço ou outro para um comentário alternativo para falarem que são imparciais. A televisão não. A televisão é monolítica e faz esse papel com muita força e é ela que encabeça o processo golpista no Brasil, isso sem dúvida”, destaca Lalo.