Juca: Temos a vida inteira para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico

"Temos a vida inteira para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico. O Acordo veio tarde. É preciso ter uma estratégia de afirmação da nossa língua, de apropriação de toda a nossa dimensão cultural", afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira, em entrevista ao O Globo.

Juca Ferreira - MinC

Ao O Globo, Juca esclarece que é favorável ao Acordo, sim, e antecipa a intenção de criar o Instituto Machado de Assis, entidade que ficaria responsável por fomentar a língua portuguesa no Brasil e também por estimular debates para aperfeiçoar os termos do Acordo.

O Globo: Onde houve o erro, então?
Juca Fereira: Talvez tenhamos errado no processo de normatização, que teve um caráter tecnicista e não envolveu criadores de todos os países. Nos países africanos, pro exemplo, o português interage com pelo menos outros 50 idiomas, e isso não pode ser ignorado. É preciso considerar que essa complexidade do idioma pode nos afastar uns dos outros. Reconheci que houve condução tecnicista, foi o que eu disse.

Como o erro pode ser corrigido?
Temos que criar uma estratégia de afirmação da língua portuguesa, e por isso sou favorável ao Brasil criar o Instituto Machado de Assis, assim como há o Instituto Goethe, o Instituto Camões, o Instituto Cervantes. Uma entidade que tenha como uma de suas missões fomentar esse debate sobre a língua.

Dá tempo de criá-lo no seu mandato?
Um instituto desse porte não seria de responsabilidade exclusiva doMinistério da Cultura (MinC), mas do Ministério das Relações Exteriores, com a participação do Mnistério da Educação e do MinC.

Mas, se houve erro na condução, e se o senhor admite que é preciso debater ainda mais as mudanças, considera a possibilidade de adiar a obrigatoriedade do Acordo?
De jeito nenhum, pelo contrário. O Acordo veio tarde. É preciso ter uma estratégia de afirmação da nossa língua, de apropriação de toda a nossa dimensão cultural. Fazer com que os bens culturais circulem entre esses países, e isso não funciona por uma normatização de caráter tecnicista. Angola produz uma literatura de altíssimo nível, esse produto tem que circular mais. A língua é viva, e temos a vida inteira para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico.

De que forma?
É fundamental convocar os criadores para debater a língua. Não estou propondo um encontro apenas, mas 200, 300. Assim como fazem os que falam inglês, os que falam francês, os que falam espanhol. Precisamos criar um sentimento de pertencimento a um mesmo território linguístico. A normatização da língua tem que estar inserida nessa estratégia. E não partir para essa bobagem que é a discussão "o português é nosso". Estamos numa nova era de cooperação entre países. Um exemplo: por que o português não é uma língua de trabalho na ONU? Porque não tem uma escrita comum. O Acordo é fundamental, nos encaminha para o futuro. Mas, por erros de condução, ele foi demonizado. Teria de ter sido feito a partir de debates com representantes de todas as pessoas que manejam a língua no seu dia a dia, que chamo de criadores: os poetas, dramaturgos, tradutores, cronistas, filólogos, críticos literários, compositores, a mídia-livrista. Também precisamos pensar no uso que a língua tem na internet. Assim, teríamos feito um processo sólido de normatização, mais enriquecido, sem perder essa complexidade de que falei antes.