Hermann Hesse, em busca da individualidade

“É claro que não posso nem pretendo dizer aos meus leitores como devem entender minha história. Que cada um nela encontre aquilo que lhe possa ferir a corda íntima e o que lhe seria de alguma utilidade! Mas eu me sentiria contente se se alguns desses leitores pudessem perceber que a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção”.

Por José Carlos Ruy*, especial para o Vermelho

Herman Hesse - Reprodução

Quando deixou registrada esta esperança, no parágrafo final da nota que escreveu em 1961 ao romance O Lobo da Estepe, Hermann Hesse (2 de julho de 1877 – 9 de agosto de 1962) era um escritor octogenário consagrado, às vésperas de uma enorme difusão de sua obra que conquistou legiões de leitores, mundo afora, na década de 1960.

Hermann Hesse foi autor de quase 40 livros (sobretudo contos e romances). O Lobo da Estepe foi publicado inicialmente em 1927, e conclui uma espécie de trilogia com Demian (1919) e Sidarta (1922).

São livros que, de certa forma, antecipam a luta pela afirmação individual típica dos hippies meio século mais tarde, na década de 1960. Daí talvez a enorme repercussão alcançada pela obra de Hermann Hesse quando o autor beirava os 80 anos de idade.

Ele foi, afirma Otto Maria Carpeaux (na História da Literatura Ocidental) “o último poeta romântico da Alemanha”. Na maturidade, ultrapassou o romantismo, convertido em “anarquismo político com acentos humanitários”.

A série de romances que inclui Demian, Sidarta e O Lobo da Estepe seria o registro dessa conversão, reflexo da profunda crise europeia do entre guerras (1919-1939). Assinala o inconformismo contra o militarismo e também contra as massacrantes convenções sociais, entre as quais a forte religiosidade de seus antepassados (que planejavam fazer dele um missionário pietista).

A literatura de Hermann Hesse – que talvez tenha sido o escritor alemão mais lido – registra essa luta pela afirmação da individualidade. Um exemplo notável é o romance Sidarta – mais, talvez, do que O Lobo da Estepe. Se neste romance a resistência volta-se contra o convencionalismo burguês e Harry Haller, o protagonista, é vestido com as roupas de um herói no limite da sanidade mental, Sidarta é, por assim dizer, mais otimista. Consequência certamente da religiosidade indiana que Hesse conhecia por tradição familiar (vários de seus antepassados haviam sido missionários na Índia), e com a qual tomou contato pessoal na década de 1910 ao viajar para a Índia.

Religiosidade que contrastou com o protestantismo pietista de sua tradição familiar. Sidarta inspira-se na história de Sidarta Gautama, o Buda, um jovem da casta sacerdotal que foge de casa, sai para o mundo e, no final, reencontra-se na simplicidade de um barqueiro, sendo reconhecido como sábio.

Antimilitarista e “anarquista político”, Hesse mudou-se para a Suíça em 1912 (onde naturalizou-se em 1923). Lá, durante o período nazista na Alemanha (1933-1945) apoiou refugiados perseguidos por Hitler. Em 1943 publicou aquele que é considerado o seu grande romance, O Jogo das Contas de Vidro; em 1946 foi agraciado com o Nobel de Literatura.

Embora sua obra seja a expressão da profunda crise civilizacional da Europa de seu tempo, Hermann Hesse não pode ser considerado um revolucionário, mas um inconformista que rejeitava as convenções e lutava pela afirmação da individualidade.

Essa busca da individualidade pode ser vista com clareza numa afirmação feita em O Regresso de Zaratustra, (1919): “O mundo não está aí para ser melhorado. Mas vocês estão aí para serem vocês mesmos. Vocês estão aí a fim de que este mundo sombrio, com esse acorde e com esse tom de vocês, fique mais rico. Seja você mesmo e o mundo tornar-se-á mais belo e mais rico”.

Este talvez seja o segredo da enorme repercussão de sua obra na década de 1960. Ela pode ser vista como uma espécie de antecipação da cultura hippie. Embora inconformista, Hermann Hesse nunca se livrou completamente da religiosidade que herdou dos antepassados. Daí a vontade de que sua obra fosse vista como redenção, como registrou no pós escrito de 1961 a O lobo da estepe.

Referências
Carpeaux, Oto Maria. História da Literatura Ocidental. Vol. 8. Rio de Janeiro. Editorial Alhambra, 1984

Welzel, Edgar, Hermann Hesse: o guru dos hippies, in http://acervo.revistabula.com/posts/ensaios/hermann-hesse-o-guru-dos-hippies,. Consultado em 3/7/2015