Redução da maioridade penal: um breve alento em meio ao descalabro

Amanheceu julho e, com ele, uma ótima notícia. A proposta de redução da idade de responsabilização penal para crimes considerados graves não passou na Câmara, embora apoiada por maioria: 303 votos a favor, 184 contrários e 3 abstenções. Eis que, 24 horas após, sob a mesma ira revanchista de Eduardo Cunha e seus aliados, novo texto pôs-se a votar, sendo – agora – aprovado, em primeiro turno: 323 votos favoráveis, 155 contrários e 2 abstenções.

Por Ivan de Carvalho Junqueira*

- Foto: Cida Souza

O modus operandi de boa parte dos que compõem a atual legislatura – não obstante, eleitos democraticamente – é assustador, numa combinação autoritária e explosiva de bíblias e balas com escora no ódio e na truculência impositiva das decisões, à margem do diálogo.

A visão menoril e criminalizante dirigida à infância e à juventude, aliado ao clamor popular daqueles que legislam, julgam e condenam sem processo só pelas lentes televisivas, é característica genuína dos golpistas como, também, dos que hipoteticamente representando o povo, atuam em interesse próprio.

Afinal, a quem interessa o aumento do encarceramento?

No Brasil, há mais de 21 milhões de adolescentes. Destes, parcela ínfima envolve-se com a prática de delitos chamados, por terminologia, atos infracionais. Dizer o contrário é, antes de tudo, faltar com a verdade.

Do total de apreendidos, cerca de 80% responde por roubo ou tráfico de drogas, e, no recorte, mais da metade por crimes contra o patrimônio. Dentre os crimes dolosos contra a vida, são responsáveis por 0,5% dos homicídios cometidos no país.

Em contrapartida, sob as vestes figurativas do “Estado Democrático de Direito”, 30.000 adolescentes e jovens são assassinados a cada ano; destes, 77% são negros. Não raro, reduzidos às estatísticas sociológicas e/ou criminais.

A despeito de todas as críticas (várias delas, fundamentadas), o trabalho socioeducativo também representa – para muitos adolescentes – a última chance de ressignificação da própria vida e trajetória em sociedade, na tentativa de escapar-se da precocidade da morte.

Ao revés do que se poderia imaginar, a internação de adolescentes já prevista na Lei n.º 8.069/90 é sanção gravosa, privando-os, como os adultos às voltas com a Justiça, da liberdade. Daí o seu caráter excepcional. Daí porque prever-se, antes dela, outras medidas – mais brandas – à reprovação do que cometido: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semiliberdade (Cf. ECA, artigo 112, I a V).
Inimputabilidade não é sinônimo de impunidade. A responsabilização de adolescentes, em verdade, inicia-se – por aqui – aos 12 anos. Considerando a faixa etária de 12 a 18 anos e o limite pré-definido em lei de até 3 anos de internação, esta poderá consumir-lhes nada menos do que metade da adolescência!

Nas últimas décadas, assiste-se ao encarceramento em massa abrigando, o Brasil, a 4.ª maior população prisional do mundo. Ultrapassamos os 600 mil presos no país e, a depender da ânsia punitiva, chegaremos uma década adiante a 1 milhão.

Quando no inumano sistema carcerário, de presos quase-vivos, quase-mortos, ceifa-se quaisquer possibilidades de mudança. Salvo por elevado esforço próprio, todo aquele que n’algum momento tem de cumprir uma pena de prisão – mesmo que breve – é coisificado enquanto pessoa e indivíduo cuja reprimenda se protela no tempo, perseguindo-o ad eternum.

Superados, de forma aparente, os traumas e dissabores intramuros, passa-se a lutar – dia a dia – contra o pré-conceito de uma comunidade que, contradizendo a si própria, não pratica a comunhão, a olhá-los com receio, desdém e dessemelhança. Como dizia Francesco Carnelutti, em As misérias do processo penal: “A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca”.

Violência, é fato, não se reduz com mais prisões ou endurecimento legislativo. Triste o país que, carecedor de políticas públicas efetivas, ano após ano, inaugura novos presídios.

Crianças e adolescentes devem ser vistas, em primeiro lugar, como pessoas em desenvolvimento; não como “caso de polícia”.

Mas, até que se mude o olhar sobre isso, não há de se desejar ao adolescente ora em conflito com a lei, o que de pior e mais deplorável ofertamos aos adultos perante os quais o respeito à dignidade humana soa quão palavras vazias no papel.