Vandré Fernandes: Casa Grande na Crise

Em algumas capitais, ainda é possível assistir o filme “Casa Grande”, de Felipe Barbosa. É um filme atual. Ele aborda a crise em que a classe média/média alta passa no seu poder de investimento e consumo e que a cada dia precisa rever suas despesas para não perder o seu “status social”. Paralelamente a isso, acompanha o amadurecimento do jovem Jean (Thales Cavancanti), filho do investidor financeiro (Marcelo Novaes).

Por Vandré Fernandes*, no portal da UJS

Casa Grande - Divulgação

Muito já se falou desse filme, além de tecnicamente bem executado, ele tem uma trama interessante. Um bom artigo foi feito pelo cientista político e jornalista Theólifo Rodrigues, no Correio do Brasil. Legitimo carioca, ele fala com propriedade por ter estudado no Colégio São Bento, local onde se passa parte da história e é dominado por filhos da alta classe fluminense em contraste com os alunos de escola pública, nesse caso, com a aluna Luisa (Bruna Amaya), uma garota de São Gonçalo, que por ser filha de uma negra com um japonês, Jean acha que ela é moradora da Rocinha.

Eu, paulista, vejo uma universalidade no tema.

O pai conservador exige que o filho faça Direito ou Economia, mas o garoto quer Comunicação. Esse conflito gerado numa determinada parte do filme vai se amenizando e o garoto acaba cedendo aos caprichos do pai e diz que além de Comunicação, pensa em fazer Direito e Economia.
No decorrer do filme tem vários exemplos dessa aceitação. É o filho virando o pai, não pelas qualidades, mas pelos defeitos, se é que o personagem de Marcelo Novaes tenha alguma virtude. No filme não é perceptível.

Isso é um reflexo da sociedade atual, em que o pensamento conservador ganha as mentes e corações de partes dos jovens a ponto de montar grupos de direita, pregando a redução da maioridade penal e fora Dilma, marchando a cada 15 minutos a pé, acompanhados de um ônibus e dezenas de carros, com refeição e água até Brasília, sob a égide de uma ideologia de mercado.Bem, mas não é hora de falarmos do nosso Jaspion mirim.

Voltando ao “Casa”. A entrada da personagem Luiza, namorada de Jean, faz o contraponto da família de Jean. Ela mostra a realidade da sociedade para ele, seus conflitos e como é difícil viver com preconceitos e intolerância, principalmente com relação as cotas raciais nas universidades.
Fica claro que o diretor fala pela Luiza, defendendo as cotas e dizendo que o Brasil precisa fazer um reparo com o seu passado recente. Mas é inócuo, diante de um churrasco com pessoas da elite carioca, logo ela passa a ser motivo de chacota.

Ela também vai despertando a sexualidade do “protegido” Jean, cheio de tabus e medos diante do sexo. Ao final, Jean tem uma atitude explosiva e decide procurar o seu caminho, o que faz a família ficar desesperada, ignorando completamente os objetivos individuais do garoto.

Temos muitos elementos de reflexão sobre o tema; o primeiro é a crise no consumo das famílias que já tinha deixado de investir, mas que mantinha consumo alta. Dados que fecharam o semestre revelam que o consumo, um dos fatores para manter a economia aquecida, caiu e pode gerar um prejuízo na ordem de 0,2% do PIB.

Outro aspecto são as cotas raciais nas universidades, que com um congresso conservador, não me admira se os “nobres” deputados não tentem rever esse avanço de inclusão social no país.
“Casa Grande” é um belo filme, desses que se torna clássico e vai dar muito o que falar da historiografia do cinema brasileiro.

Mais um ponto importante é a relação entre Jean e Luiza. Ela já é independente e ele vive cercado pela família. Quando os dois vão ao motel, Jean faz a pergunta brochante se Luiza ainda é virgem, a garota decepcionada com a pergunta, pois o clima não era para questionamento, desiste da relação e vai embora. Ou seja, é a velha história de que as garotas amadurecem mais rápido que os meninos.

Só não entendi por que na descrição do jornal Folha de São Paulo, a sinopse do Acontece, diz que “os funcionários da casa tentam enfrentar as inevitáveis demissões”. Provavelmente não seja o mesmo filme, pois no “Casa Grande” o chofer é cortado sumariamente por falta de grana e Jean passa a ir para a escola de transporte público. A empregada jovem é demitida por que foi descoberta fotos sensuais dela pela patroa e a outra emprega pede demissão por ser idosa e não aguentar o trabalho diário. Eles sabem da crise dos patrões, mas não fazem nada para se manter no emprego.

Ou seja, a crise não era uma marolinha!

Assista ao trailer: