Vandré Fernandes: Depois da chuva

No filme A Nuvem do diretor argentino Fernando Solanas dizia que em Buenos Aires chovia há 1600 dias, fazendo referência às políticas neoliberalistas de Carlos Saúl Menen no final de década de 1990. Depois da Chuva, dos baianos Claudio Marques e Marília Hughes, também recorrem à natureza para intitular o filme e contar o período final do regime ditatorial brasileiro e a transição à democracia.

Por Vandré Fernandes*, no portal da UJS

Depois da Chuva - Divulgação

A trama, passada no começo da década de 1980, envolve os adolescentes que debatem o momento democrático do país e a visão libertária e revolucionária dos anarquistas. Eles convivem em desarmonia com esse “depois”, ou o quase final, da ditadura militar.

É uma época de questionamentos, descobertas, novos costumes, surgimento do movimento punk, greves operárias, colégio eleitoral, legalização de partidos políticos e o renascimento do movimento estudantil.

Na escola Santo Antonio, em Salvador, os estudantes estão envolvidos com a formação do grêmio livre da escola. Na reunião aparecem chapas, uma apoiada pela direção da escola, outras mais independentes e estudantes que questionam o processo, é o caso de protagonista Caio (Pedro Maia) ligado ao grupo anarquistas que mantém uma rádio para repassar suas mensagens libertárias.

É uma clara referência ao colégio eleitoral de 1985, que elegeu Tancredo Neves presidente do Brasil. Naquela época, partidos como PMDB, PTB, PDT, parlamentares comunistas que configuravam por outras legendas, pois ainda estavam na clandestinidade, e dissidentes do PDS, intitulados de Frente Liberal, apoiaram Tancredo e o que restou do PDS, antiga Arena (partido de sustentação do regime militar) apoiou Paulo Maluf. O PT, na ocasião, orientou a sua bancada a anular o voto, com o discurso que o colégio eleitoral era uma farsa. Algo semelhante foi tratado também no filme “No”, do chileno Pablo Larraín (2012), sobre o Plebiscito que derrotou a ditadura chilena.

Algumas curiosidades no filme

Um fato interessante é a crise em que vive Caio. Ele, apesar de ser rebelde, passa a ser a figura mais popular na escola e os estudantes o querem para presidente. Um amigo de Caio, anarquista, diz para o garoto que eleição é uma farsa e afirma que nos próximos 40 anos todo partido que dirigir o pais será igual. Aqui ele traduz uma desesperança com a política atual. São os diretores dando fala ao filme, pois se eles tivessem dito apenas nos próximos 10 anos, eles puniriam o PMDB, se dissessem 15 anos, eles colocariam no mesmo saco PMDB e PSDB, ao dizer 40 anos, eles colocam todo o período democrático.

Outra curiosidade é o próprio discurso anarquista na rádio. Cada vez mais anacrônico, ele vai perdendo a força, e quando o locutor começa o programa ele cai em si e fica-se perguntando: Tem alguém ouvindo? Tem alguém aí? Ou seja, o discurso se perde, não mais dialogando com o público ou com a sua base. Daí só há duas possibilidades, mudar o discurso e se reciclar ou a morte. Os diretores optaram pela segunda, num aceno a democracia, com suas imperfeições, mas legítimas, tal como se deu no Brasil de lá para cá.

Depois da Chuva, faturou prêmios no Brasil e no mundo e foi ovacionado por onde passou. E passados 30 anos do processo de redemocratização, pós eleição da presidenta Dilma, grupos de direita saem as ruas pedindo a volta de uma chuva torrencial.

Como dizia minha avó: "Menas", né!

Assista ao trailer: