Carolina Maria Ruy: Mad Men

A inconsistência da “verdade”, a linha tênue entre o real e o fantasioso e a busca inglória pela própria identidade perpassam as oito temporadas da série Mad Men, propondo uma dose se reflexão muito rara em seriados para TV.

Por Carolina Maria Ruy*

Mad Men - Divulgação

As personagens são organicamente construídas. O que quer dizer que a produção foge de estereótipos e de artificialismos. A humanidade de cada um está nos detalhes da postura física, das atitudes, da indumentária, das relações pessoais e profissionais, nos valores e nos costumes.

Mad Men não aborda grandes tramas. O pretexto em torno do qual se desenvolvem as histórias é a criação publicitária na agência fictícia Sterling Cooper, localizada na Madison Avenue, em Nova York, na chamada “Era de Ouro da Propaganda”. A procura por contas de empresas para a agência e o processo de criação artística para a venda de produtos é muito interessante e a transição da revista para o rádio, e do rádio para a televisão, marcam a permanente evolução na comunicação.

Mas todo esse sistema coloca-se como uma grande metáfora da vida das pessoas da equipe liderada por Don Draper (Jon Hamm). A vida dupla do protagonista, por exemplo, é como a dualidade essencial propaganda, que manipula a realidade vendendo uma fantasia, que sustenta o universo do consumo.

Don Draper, o publicitário outsider, que cresceu profissionalmente com base em seu próprio talento (e não pelos meios formais), é genial ao brincar com as palavras e relativizar o valor e a função dos objetos.

Logo no primeiro episódio da série, “Smoke Gets in Your Eyes” (Fumaça em seus olhos), fica claro que a fumaça nos olhos, atrapalhando a visão, estará sempre presente. E é justamente esta visão turva e hipnótica, criada e aprimorada cada vez mais pela publicidade, que permite sustentar uma milionária indústria de cigarros como a Lucky Strike, mesmo quando pesquisas já demonstram a infinidade de malefícios que o produto causa à saúde.

Se não pode vender saúde Don joga a pesquisa no lixo e vende a sensação de liberdade e onipotência. Afinal, a publicidade não pressupõe compromisso social. Ela se baseia em uma só coisa: felicidade. Ou a ideia de felicidade.

E é com a mesma eficiência com que cria slogans e imagens atrativas, que Don Draper cria um personagem de si mesmo, com uma história que não corresponde à realidade. Ele é uma propaganda de si mesmo.

Ao contrário do que possa parecer, Don não é um cínico, mas sim um solitário, atormentado pela busca da própria identidade.

Esta também é a crise fundamental da propaganda. Propaganda é arte? É cultura? É linguagem? Ou é mero esquema comercial? Publicidade é criação e pode inspirar arte, cultura ou até conhecimento. Mas, antes de tudo, ela está comprometida com a indústria e com o lucro.

Símbolo maior da sociedade de consumo, da indústria cultural e da produção em massa, a propaganda apropria-se dos costumes e o devolve para a sociedade, moldado segundo os interesses das empresas capitalistas. O sonho que ela vende, da forma como ela vende, não podem se tornar realidade.

*Jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical