Paulo Nogueira: A falácia em torno do “aparelhamento” do STF

Dei um giro no Twitter, em torno do caso Fachin, e fui bater em Míriam Leitão. Ela dizia o seguinte: que o que a preocupava não eram o voto e nem as ideias de Fachin, mas o “aparelhamento do STF”. Estive na Globo, e sei quanto esta palavra é cara aos irmãos Marinhos: “aparelhamento”.

Por Paulo Nogueira*, publicado no Diário do Centro do Mundo

Fachin defende direitos constitucionais em sabatina no Senado - Agência Senado

Claro que essa preocupação só vale para o lado de lá. Quando Aécio nomeia a irmã, o cunhado e os amigos, não é “aparelhamento”.

Quando FHC nomeia o genro, e depois demite quando este se divorcia de sua filha, não é “aparelhamento”.

Quando Serra emprega a família de Soninha na administração pública de São Paulo, não é “aparelhamento”.

Então Míriam estava apenas repetindo uma expressão que seus patrões adoram empregar contra aqueles de quem não gostam.

No caso específico do STF, alguém reclamou de “aparelhamento” quando FHC indicou Gilmar Mendes, que se tirar o paletó exporá as plumas de tucano?

Há uma falácia cínica, ou uma obtusidade desumana, nos debates sobre as nomeações para o STF.

Indica quem tem mais votos na eleição presidencial. É assim. Isso se chama democracia.

Os eleitores delegam ao presidente eleito a escolha dos ministros do STF. (Eduardo Cunha parece ter outras ideias, mas isso se chama golpe.)

Tirando extremos, você pode dividir a sociedade em dois grandes blocos: os progressistas e os conservadores.

Governos progressistas nomeiam juízes progressistas, afinados com suas ideias básicas.

Governos conservadores optam por juízes conservadores.

Quem está no comando de tudo é o povo, que elege um presidente conservador ou um presidente progressistas.

Nos Estados Unidos da Era Roosevelt, houve um debate em torno da Suprema Corte que mesmerizou o país.

Medidas de cunho social de Roosevelt, em seus primeiros tempos, no começo dos anos 1930, vinham sendo sistematicamente derrubadas pela Suprema Corte.

Eram, aliás são, nove juízes, a maioria composta de conservadores para os quais o New Deal de Roosevelt era coisa de comunista.

Roosevelt, irritado e temeroso de fracassar por conta da Suprema Corte, tentou um golpe.

Ele quis impor limite de idade para os juízes, então no cargo vitaliciamente. Argumentava que a capacidade de julgar se perdia em boa parte quando o juiz chegava à idade provecta.

Roosevelt acabou derrotado, mas seu carisma resolveu tudo. Com seus quatro mandatos, ele pôde, ao longo dos anos, nomear juízes afinados com seu perfil progressista.

O mesmo vale para o Brasil.

Os conservadores querem juízes conservadores no STF? Que ganhem as eleições.

Aí poderão aparelhar a corte. Poderão, caso tenham votos para tanto, montar um STF com doze Gilmares, juízes prontos a fazer coisas como engavetar indefinidamente projetos como o que proíbe financiamento privado de campanhas.

De resto, mesmo quem não entende de direito há de perceber, com clareza, a diferença de estatura intelectual entre Fachin e aquele a quem deve substituir, Joaquim Barbosa.

Antes de falar em “aparelhamento”, como fez Míriam Leitão, é preciso olhar para as urnas.

São elas que, afinal, determinam a composição do STF.

O resto, como escreveu Shakespeare, é silêncio.

*Jornalista, fundador e diretor editorial do site Diário do Centro do Mundo.