José Goulão: Um pouco de futebol

Falemos um pouco de futebol. Não para desassossegar alguns referentes inquisidores de espíritos prontos a levar aos novos pelourinhos, privados é claro, os leitores de páginas desportivas, onde aliás se aprende, e muito, sobre o mundo cão em que vivemos. Ainda assim, enfrentemos as consequências.

Por José Goulão, no Mundo Cão

presidente da fifa joseph blatter - Tomaz Silva/Agência Brasil

E se vos falo de futebol é para chamar, com todas as letras e sem margem de erro, hipócrita e mentiroso ao senhor Joseph Blatter, presidente talvez vitalício, quem sabe, dessa coisa tão democrática que é a Fifa, a entidade que vê crescer os sete céus dos estádios do mundial do Catar com base em trabalho escravo e faz que sim com a cabeça.

Não é apenas por isto, o que não seria de somenos, que o senhor Blatter é hipócrita. O senhor Blatter é hipócrita e mentiroso quando pede à Federação Palestina de Futebol que não insista em pedir a suspensão da Federação Israelita de Futebol porque isso, e cito, “é misturar a política com o futebol”.

Tal frase, como certamente sabem até aqueles que não sujam os olhos lendo páginas desportivas, tem servido para dar cobertura a um sem número de atrocidades e arbitrariedades em campos que vão muito para além dos de futebol.

Neste campo a tradição ainda é o que era. Diz o senhor Blatter que a Federação Palestina não deve insistir no pedido de suspensão porque a Federação Israelense não pode ser responsabilizada pelos atos do governo de Israel contra os direitos humanos e contra leis desportivas estipuladas, aliás, pela própria Fifa.

Aí é que o senhor Blatter se engana. E como se engana deliberadamente, mente. A Federação Israelense de Futebol tem no seu cardápio de clubes, figurando, por inerência, no supracardápio da Fifa, cinco entidades cujas sedes existem em colônias israelenses ilegais na Cisjordânia Palestina, além disso reservadas apenas a futebolistas judeus. Dois coelhos (salvo seja) de uma só cajadada: a Federação Israelense viola as leis internacionais ao estender a autoridade a estruturas ilegais de ocupação; e pratica segregacionismo étnico/racista. É muito bonita a campanha da Fifa contra o racismo, fica sobretudo bem nos cartazes, desde que daí não saia.

O senhor Blatter sabe igualmente que existem clubes israelenses, como o Beitar de Jerusalém, do qual o adepto mais ilustre é o senhor Benjamin Netanyahu, cujo grito de torcida é “morte aos árabes”, torcida essa que o vai gritando através da Europa durante as competições onde o Beitar participa, e nas quais não foi nunca penalizado por tais manifestações terroristas. Não pode o clube ser condenado pelos gritos da torcida, invocará o hipócrita senhor Blatter. E o que fazer então quando o treinador do citado Beitar assegura que só por cima do seu cadáver – o sentido é figurado, claro – fará alinhar no clube um jogador israelense que tenha origem árabe. Um clube, uma equipe para israelenses puros… O que chamará o senhor Blatter a isto?

Ainda assim, o presidente da Fifa insiste em que futebol e política não deverão misturar-se, enquanto futebolistas palestinos inscritos na instituição do senhor Blatter jazem nas cadeias israelenses por tempo indeterminado, sem julgamento e culpa formada, onde poderão até ter como carcereiros ilustres atletas das seleções israelenses. Dizem os estatutos da Fifa, que o senhor Blatter conhece muito bem porque os invoca a toda a hora, que as federações nacionais “devem gerir os seus assuntos sem ingerências de terceiros”. Ao que parece, tais estatutos são válidos para todas as federações… Menos uma. Exatamente essa, a Palestina, adivinharam. Em agosto de 2013, numa carta à Fifa, os dirigentes do futebol israelense escreveram, isto é, estipularam, que “a Federação Palestina tem a obrigação de funcionar através dos canais oficiais do Estado de Israel”.

Não há margem de erro: o chefe do futebol mundial é hipócrita e mentiroso.