Unger afirma que terceirização aumenta precarização no trabalho

Em entrevista ao programa Brasilianas.org, de Luís Nassif, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, defendeu a criação de uma legislação que caminhe ao lado do regime CLT e criticou duramente a proposta que agora segue para o Senado, argumentando que se trata de uma forma de “abrir as portas para a insegurança econômica”.

Roberto Mangabeira Unger

Unger chamou de “eufemismo neoliberal da flexibilidade” o projeto de lei que regulamenta contratos de terceirização no trabalho (PL 4330), aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados. 

“Nós não podemos prosperar como uma China com menos gente. Nós temos que apostar na qualificação do trabalho e do trabalhador”, disse. Unger concorda com a necessidade da criação de leis trabalhistas para reduzir a precarização que existe em vários setores. Mas, na visão do cientista social, isso deve ser feito por meio de leis que caminhem ao lado do regime da CLT.

Segundo o ministro, nos últimos anos, a informalidade na relação de trabalho caiu, passando de 60% para 40%. Entretanto, simultaneamente, houve um aumento da precarização do trabalho dentro da própria economia formal, seja por meio de contratos de terceirização, empregos temporários ou auto-emprego. Todos sem a proteção efetiva de leis. “Isso é uma mudança profunda do paradigma de produção, que está ocorrendo em todo o mundo. A questão é o seguinte: nós vamos permitir que a maioria dos trabalhadores brasileiros sejam jogados na insegurança econômica radicalmente, ou nós vamos resgatá-los, criando um novo regime de leis que protejam, representem e organizem esses trabalhadores organizados?”, refletiu.

O professor destacou que os contratos de trabalho sob a CLT não são amplamente aplicados hoje porque esse regime foi desenvolvido tendo em vista a “representação tradicional do trabalho, que prevaleceu em todo o mundo de meados do aéculo 19 e meados do século 20, com uma forma de trabalho estável, reunida em grandes unidades produtivas, sob a égide de grandes empresas. Isto vem sendo substituído, pouco a pouco, em todo o mundo pela reorganização do trabalho na forma de redes de arranjos contratuais descentralizados”, explicou.

Democratização da economia

O ministro Mangabeira Unger concordou com a teoria de que o Brasil enfrenta hoje o esgotamento de um modelo de desenvolvimento, baseado na popularização do consumo. Ele defendeu a necessidade do país planejar o seu crescimento com base na democratização da economia brasileira, incentivando-se pequenos e médios empreendimentos. Para o titular, hoje o Estado brasileiro deve usar “seus poderes e recursos para permitir à maioria dos brasileiros seguir o caminho” da vanguarda emergente que surgiu nas últimas duas décadas.

“O fenômeno social mais importante ocorrido nos últimos anos é o surgimento, ao lado da classe média tradicional, de uma segunda classe média mestiça, morena [negra] de milhões de brasileiros que lutam para abrir e manter pequenos negócios, que estudam à noite, que filiam-se a novas igrejas e associações e, sobretudo, que inauguram no país uma cultura de autoajuda iniciativa."

Unger prosseguiu destacando que, atrás da nova classe média, há um grupo “ainda maior” de trabalhadores mais pobres que são incentivados pela cultura da vanguarda emergente e, atrás desse grupo intermediário, uma massa pobre do povo brasileiro querendo seguir o mesmo caminho.

Tendo em vista esse cenário, o papel do Estado hoje é incentivar a economia pelo lado da democratização da oferta, não mais do consumo, como ocorreu nas duas últimas décadas. E isso não pode ser feito, apenas, por meio da criação de mecanismos com impactos na microeconomia, como as chamadas “inovações no mundo do trabalho e da produção”.

Para o ministro, as ações realmente fecundas para o futuro devem considerar cinco pontos, começando com a depreciação cambial, sem interrupção. Em segundo lugar, com a compensação tributária das importações brasileiras de tecnologias avançadas. Em terceiro, o professor defendeu o abandono de todos os obstáculos tarifários e não tarifários, por parte do Estado, para a importação de tecnologias avançadas, mas tendo como critério tecnologias que podem ajudar o país a erguer simultaneamente várias áreas. Após a aplicação de todas essas ações, a quarta medida importante é a disciplina fiscal do governo, sempre “a serviço de um projeto estratégico” e claro para a população.

Por último, “facultado pela disciplina fiscal”, Unger defende o rebaixamento da taxa de juros (Selic), em outras palavras, o barateamento do custo do capital, a fim de “sacrificar os interesses dos rentistas aos interesses dos produtores”.

“O ajuste fiscal [não deve ocorrer] para se ajoelhar diante do altar dos interesses financeiro. É para assegurar o realismo fiscal, romper com as más ideias que campearam no Brasil que são, de um lado, ideias vindas da direita, com a doutrina da confiança financeira, e de outro lado, as ideias vindas da esquerda, do keynesianismo vulgar", ponderou.

O ministro tornou-se um dos mais jovens professores da Universidade de Harvard, em 1971. Ao longo de sua carreira como docente, desenvolveu obras no campo da filosofia, teoria social e direito. Importante crítico do primeiro mandato do governo Lula, foi convidado a participar da Administração como ministro de Assuntos Estratégicos, cargo que ocupou de 2007 a 2009.

No início deste ano, a presidente Dilma Rousseff o convidou para retomar o cargo na secretaria, criada para ajudar o governo a planejar e aliar políticas de curto e longo prazo.

Veja, abaixo, a entrevista completa concedida ao jornalista Luis Nassif.

Fonte: Jornal GGN