Paulo Pimenta: SwissLeaks é uma oportunidade histórica

Mais de uma centena de milhares de pessoas, empresas, personalidades de todos os setores, traficantes de todas as mercancias, corruptos de todas as estaturas e mais de 100 bilhões de dólares agenciados por uma das maiores instituições bancárias do mundo, que promove transações escusas e se torna facilitadora de crimes financeiros.

Por Paulo Pimenta*

suisalão

Este é o episódio chamado pela mídia internacional de SwissLeaks, que no Brasil é investigado pelas autoridades e negligenciado pela mídia. Um caso que transborda hipocrisia de parte da grande mídia e casuísmo de ampla maioria da sociedade e que pode, ao fim, comprovar a seletividade de nosso sistema de justiça penal.

Diferentemente do que informam alguns meios de comunicação no Brasil, podemos estar diante de um dos maiores escândalos mundiais envolvendo o sistema financeiro internacional. Segundo o ICIJ (The Internacional Consortium of Investigative Journalists), organização que lidera as investigações jornalísticas, seriam 6.606 contas de clientes vinculados ao Brasil. Teriam sido movimentados aproximadamente R$ 20 bilhões nas contas do HSBC na Suíça, valor próximo, por exemplo, aos R$ 27 bilhões destinados em 2015 ao Programa Bolsa Família, que beneficiará 50 milhões de pessoas.

No início de Janeiro tomamos conhecimento sobre as investigações em outros países – e o possível envolvimento de brasileiros – e iniciamos o acompanhamento do caso. Trabalhamos fortemente junto aos investigadores estrangeiros e às autoridades nacionais competentes para que fossem identificados todos os brasileiros envolvidos e apuradas as possíveis irregularidades cometidas pelo banco. Realizamos audiências com Ministério da Justiça, Banco Central, Receita Federal, Ministério Público Federal e dialogamos intensamente com deputados e senadores.

O poder público, por meio do Ministério Público Federal, Ministério da Justiça, Câmara dos Deputados e Senado Federal tem desempenhado seu papel para apuração dos fatos em toda sua extensão. Em breve será obtida a lista dos nomes dos correntistas brasileiros de forma oficial e outras informações que poderão ajudar a esclarecer a dimensão do escândalo.

Acreditamos na efetividade dessas investigações para que, uma vez tendo acesso à totalidade das informações sobre os correntistas brasileiros – evitando-se a seletividade nada republicana –, possam ser apurados os fatos e identificados os possíveis crimes cometidos.

Em seguida, será fundamental verificar a origem dos recursos, o “crime original”, pois é de se suspeitar que a transferência de recursos para um paraíso fiscal, por meio de elaborada transação oculta ao fisco, envolve dinheiro obtido pela prática de crimes anteriores.

Mas estamos falando de suspeita. Cabe ao sistema de justiça investigar, processar, garantir a ampla defesa e, eventualmente, condenar os responsáveis.

Quanto aos sonegadores que têm condições de comprovar a origem legal do dinheiro, estes recebem um tratamento distinto.

Nosso ordenamento jurídico estabelece que, nos crimes tributários, quando efetuado o pagamento total dos tributos devidos – “à vista” ou parceladamente – fica extinta a punibilidade do réu. Enquanto que, para um crime não violento contra o patrimônio privado, como o furto, em regra não existe essa possibilidade (em alguns casos, o réu pode obter a redução da pena, somente). Inclusive, em termos de pena, enquanto para a sonegação fiscal a máxima é de 5 anos, para o furto qualificado, é de 8 anos.

Em se tratando dos mais abastados, nossa sociedade prefere arrecadar a punir.

Trata-se de um controle social punitivo em que os crimes cometidos pelos mais pobres contam com um sistema rígido e eficiente na sua tarefa repressiva, enquanto os crimes tributários, praticados contra o patrimônio coletivo, podem ser tratados como ilegalidades toleradas. Uma seletividade penal que resulta numa maior proteção ao patrimônio privado do que ao erário.

Outro ponto importante neste episódio é o papel da comunicação.

É inaceitável a postura dos grandes meios de comunicação, de revelar os nomes dos envolvidos de forma seletiva, ignorando o interesse público e desviando o foco das questões mais profundas que o episódio levanta.

O UOL, que emprega o único jornalista brasileiro a receber a documentação completa fornecida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, em seu editorial informou que, na cobertura do SwissLeaks, irá divulgar apenas nomes que demonstrem interesse público – segundo critérios não explicitados.

É como se a “liberdade de empresa” viesse antes da liberdade de imprensa.

Após emitir seu comunicado, o Uol anunciou que passaria a cooperar com o jornal O Globo na cobertura do assunto. Em seguida, logo após o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral da República anunciarem avanços na cooperação com o governo francês para obtenção da lista integral dos brasileiros envolvidos, numa estratégia de autodefesa, O GLOBO antecipou-se, “denunciando” que barões da mídia nacional estariam dentre os clientes brasileiros das espúrias contas suíças do HSBC.

A grande mídia parece estar constrangida e sem saber como lidar com o tema. Porém, tem a obrigação de informar a sociedade a respeito desse escândalo, especialmente se isso significa denunciar fatos que envolvem grupos historicamente por ela protegidos.

Quando uma pessoa ou uma empresa deixa de pagar seus impostos, toda a sociedade paga por isso. A política tributária não pode permitir que isso ocorra. Não pode servir de ferramenta para manutenção da desigualdade social.

O senso comum é de que todos pagam impostos em demasia no Brasil, mas é preciso aprofundar a discussão para avaliar como chegamos a este cenário.

Para isso, remetemos à década de 1990, quando uma série de decisões foi tomada pelos gestores da vida econômica do país à época, buscando privilegiar o capital financeiro, com o deslocamento da maior parte da tributação para o consumo, onerando os mais pobres e aliviando os mais ricos.

É o caso de medidas como a isenção de Imposto de Renda sobre a remessa de lucros e dividendos para o exterior, a redução da alíquota do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e a redução da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL, que tiveram um impacto significativo sobre as instituições financeiras.

Por outro lado, aumentou-se a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINs – e dobrou-se a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF –, posteriormente extinta no governo do PT.

Todas essas são medidas que, além de aumentarem a desigualdade social, criaram um cenário propício para a especulação e o aumento de episódios como o SwissLeaks.

Precisamos fortalecer o debate acerca da necessidade de reformas que promovam um sistema tributário mais redistributivo e que não se mantenha sustentado na taxação excessiva do consumo, que recai, invariavelmente, sobre os que têm menos.

Devemos direcionar nossa ação política para batalhas como a taxação das grandes fortunas e a progressividade efetiva do Imposto de Renda, com um maior número de faixas de renda tributável e aumento da alíquota das faixas mais altas.

Essas são propostas defendidas há décadas pela esquerda. Há excelentes proposições que tramitam no Congresso Nacional, mas não conseguem avançar nem um milímetro por conta da hegemonia conservadora na sociedade e no Parlamento.

Por fim, temos certeza de que na medida em que as investigações continuem avançando, o Brasil terá condições de conhecer detalhes de fatos até hoje nunca esclarecidos, que envolveram grandes episódios de corrupção.

Assim, podemos esperar que a eficiência das investigações resulte, como ocorre em outros países, na recuperação de uma grande quantidade de recursos, na punição irrestrita dos envolvidos e no fortalecimento do combate aos crimes contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro nacional.

Podemos, ainda, construir um profundo debate social sobre as urgentes reformas e, quiçá, estar diante do início de um grande processo de rompimento do monopólio da informação.

Definitivamente, o episódio SwissLeaks se coloca como uma oportunidade histórica.

* Jornalista e deputado federal (PT-RS)

Fonte: Carta Maior