A visão do setor petrolífero sobre a PL 4330: na prática, escravidão

A luta que temos à frente contra o projeto da terceirização é gigante. CUT e Dieese mostram que ela precariza as condições de trabalho. O mercado de óleo e gás nacional confirma: terceirizar é cortar benefícios, explorar a carga de trabalho e ceifar vidas.

Por Tadeu Porto*, no Brasil Debate

Petrobras

De vez em quando, me aventuro a assistir à TV Câmara. Confesso que considero um bom exercício de política, afinal, é difícil ver tantas táticas de manipulação do discurso em um só lugar! Às vezes, penso que, se tirarmos os fatores hipocrisia e demagogia, daria para abreviar um dia inteiro de cobertura televisiva em uma coluna de jornal.

De todo o desconforto que já senti vendo o canal do Legislativo, nada se compara ao sofrimento que tive ao assistir, in loco, as votações do PL da escravidão, também conhecido como projeto de lei 4.330/04. Como um bom fã do seriado Lost, eu estava mesmo aguardando um desastre para o dia 8 de abril de 2015, mas não esperava tamanho golpe (num certo momento de alucinação causada pela dor, acredito ter visto “o monstro” sair da sua forma de fumaça negra e se materializar no presidente da Câmara).

Sei que pode parecer exagero, mas realmente me fez mal ver aquela votação e aqueles discursos pavorosos. Foi um misto de dor no estômago e ardência nos olhos que me causavam uma angústia tremenda. Isso acontece porque, como sindicalista e petroleiro, conheço de perto mazelas da terceirização que são impossíveis de ignorar. E um pouco delas eu gostaria de compartilhar nesse texto.

Sabemos dos dados gerais que demonstram a precarização do trabalho mediante o uso desenfreado da terceirização. Graças ao Dieese e à CUT, que já fizeram um ótimo trabalho denominado Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha, temos acesso a uma série de números qualificados que demonstram o desastre que é terceirizar.

Basicamente, podemos dizer que, na época do estudo (dezembro de 2013), os 12 milhões de trabalhadores terceirizados recebiam cerca de 25% a menos que os primarizados, e ainda tinham um uma jornada semanal de três horas a mais. Sem contar a maior suscetibilidade a acidentes de trabalho e os inúmeros benefícios que recebem a menos. São números e fatos que devem preocupar a sociedade, nesse momento de sanha do Legislativo para aprovar tal retrocesso.

E no setor petrolífero não é diferente. A começar pelos trabalhadores terceirizados offshore, que possuem uma escala de trabalho inferior (14 dias de folga para 14 trabalhados) comparados com empregados próprios da Petrobras (21 dias de folga para 14 trabalhados). Na ponta do lápis, primarizados têm cerca de 30 dias (um período de férias) a mais de descanso por ano, para se dedicar a filhos e filhas, netos e netas, pais que necessitam de cuidados e ao seu próprio lazer.

Além de uma jornada de trabalho mais justa, podemos citar, também, o benefício da estabilidade no emprego, mesmo não sendo prevista pela lei (empregados capital misto não são estatutários) e sim garantida pelas forças dos sindicatos da categoria.

Por exemplo, se verificarmos as demissões em massa ocorrendo no setor de petróleo, veremos que os empregos diretos dos funcionários próprios da Petrobras não são afetados, e que praticamente toda a crise do setor óleo e gás está sendo descontada nos trabalhadores terceirizados.

Mas de todas as adversidades que conseguimos apontar, os acidentes de trabalho são as piores, pois muitas vezes eles levam a um caminho sem volta, que é a morte. Mais de 80% dos óbitos em serviço nas duas últimas duas décadas no sistema Petrobras foram de terceirizados. Sem contar, ainda, os inúmeros acidentes que envolvem afastamentos que prejudicam toda a vida desses trabalhadores, ademais se considerarmos a imensa dificuldade que os mesmos terão para acessar os benefícios que garantam a sua saúde ocupacional.

Um exemplo bem prático da linha tênue que separa a morte e a terceirização é o último grande acidente do setor de petróleo que tivemos aqui no Brasil, a explosão do FPSO Cidade de São Mateus, um navio-plataforma fretado pela Petrobrás.

Sabemos que as investigações devem ser feitas pelos órgãos pertinentes e aguardamos os veredictos institucionais acerca do assunto. Todavia, pelo andar da carruagem, é possível inferir com uma margem considerável de probabilidade, que a BW offshore foi negligente com a segurança em sua plataforma, usando, segundo relatos, uma estratégia que pode ser classificada como assédio moral ao seu cipeiro.

Desse exemplo, podemos abstrair o caminho da morte que é simplificado pela terceirização e talvez explique esse dado alarmante de acidentes fatais envolvendo não primarizados:

Um trabalhador consegue encontrar um problema (vazamento recorrente), todavia, para saná-lo, parte do lucro da empresa será prejudicado (parar uma plataforma). Deve existir, assim, uma correlação de forças para que esse empregado possa ter a possibilidade de enfrentar os interesses predominantemente financeiros da empresa [Afirmo aqui que “o mercado” não liga pra mortes. Mesmo com toda a instabilidade da Petrobrás na bolsa nos últimos meses, alguém aí viu as ações dela caírem por causa de mortes na sua cadeia produtiva? Pois é, nem eu].

O assédio moral (afastamento do empregado) é uma ferramenta forte que a empresa tem para vencer essa batalha contra o coletivo de trabalho e, aliada a baixa estabilidade e ao enfraquecimento sindical, características inerentes da terceirização, poucos arriscarão essa velha luta contra o capital. Por conseguinte, a empresa acaba ganhando essa batalha e a saúde do empregado, muitas vezes, é menos importante que o lucro do empregador.

Por fim, fica o ensinamento que o mercado de óleo e gás nacional nos apresenta: terceirizar, em resumo, é cortar benefícios, explorar a carga de trabalho e ceifar vidas.

Aparentemente – e infelizmente – o mesmo dinheiro que faz as empresas terem vistas grossas à saúde do assalariado chegou com intensidade ao Legislativo e faz nossos representantes escolherem o empresariado, em detrimento aos trabalhadores (a palavra achacadores nunca fez tanto sentido). Resta a nós, a difícil (mas não impossível) luta de pressionar ao máximo nossos políticos para que esse retrocesso não aconteça, mostrando a nossa vontade de derrubar esse projeto.

*Mestre em engenharia elétrica pelo Cefet-MG, é petroleiro e diretor do departamento de formação do SindipetroNF