Ética, esperança e projeto político para o Brasil

O momento atual tem sido pautado por um intenso debate sobre a ética na política. Até setores que não conheciam essa palavra – há até bem pouco tempo pelo menos – se apresentam como arautos da ética na vida p

Por Leandro Alves[i]

 

“A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma classe política. Portanto, é uma grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política.”

Antonio Gramsci 

 

Ética e disputa política

O momento atual tem sido pautado por um intenso debate sobre a ética na política. Até setores que não conheciam essa palavra – há até bem pouco tempo pelo menos – se apresentam como arautos da ética na vida pública. Não podemos entrar nesse jogo. Para além do proselitismo político, devemos tratar esse tema de forma séria e profunda, tentando perquirir o que está por trás dessa “polêmica ética” que aflige a elite brasileira e a grande mídia.

 

A “confusão” do patrimônio público com o privado não é de hoje e ainda não foi resolvida em nossa sociedade. O cidadão – no normal, distante da política – não tem a dimensão nem o entendimento de que o patrimônio da União, dos estados e dos municípios pertence a todo o seu povo e não a quem está ocupando momentaneamente os cargos de direção da nação.

 

A grande mídia e setores da elite brasileira – ainda descontentes com a derrota de 2002 – dizem que o problema é o governo Lula e que, tirando o presidente – alguns chegam a defender o impeachment de Lula –, tudo estaria solucionado.

 

Será que a questão ética da política brasileira seria resolvida com a destituição de Lula? Será que a condução à presidência de alguém do PSDB de FHC ou do PFL de Jorge Bornhausen seria a solução para a ética em nosso país? Basta conhecer a trajetória desses senhores e de seus partidos para termos a resposta. A preocupação desses senhores não é com a ética, mas sim com a disputa político-eleitoral e com a necessidade de restituir o seu poder político, que foi abalado com sua derrota no último pleito nacional.

 

Que esperança venceu

As expectativas geradas pela eleição de Lula eram gigantescas, afinal foram anos e anos de demandas reprimidas dos mais diversos setores da sociedade. Por óbvio, tais expectativas são legítimas; o problema, entretanto, está quando determinado setor coloca seus interesses acima dos da nação.

 

Ao observarmos a realidade apenas de um ângulo – interesses dos servidores públicos, dos estudantes ou de qualquer área -, com certeza a avaliação não será satisfatória. Isso também é óbvio, pois, quem pensou que problemas de séculos seriam resolvidos em três anos de um governo que nem sequer conquistou uma maioria política, tem que fazer uma reflexão sobre sua postura, pois ou só pensa em seu umbigo e acha que só ele merece ser beneficiado, ou é ingênuo e não levou em conta a correlação de forças no Brasil e no mundo, ou é oportunista e tenta usar de alguma forma essa limitação objetiva a seu favor.

 

Devemos olhar a conjuntura atual sob outro ângulo. Sob uma ótica mais geral e menos corporativa, avaliando o todo, considerando o nosso desenvolvimento histórico, não esquecendo que são mais de 500 anos de exploração e dilapidação de nosso país. Ao despirmo-nos de nossos instintos corporativos, de nossa ingenuidade ou oportunismo, com certeza enxergaremos os avanços e entenderemos esta fase como uma etapa para novos avanços.

 

Devemos lembrar onde nos localizamos. O Brasil tem história e nós devemos aprender com ela. O Brasil se construiu excluindo a maioria em beneficio de uma minoria; nunca realizou suas mudanças por meio de rupturas. Aliás, essas mudanças sempre combinaram o velho e o novo. Lembremos que a burguesia brasileira sempre optou por acordos “por cima” e negou a participação popular nos processos de transformação social como forma de evitar a radicalização desses processos – o que Lênin chamou de “via prussiana”. Basta lembrar o processo da revolução burguesa no Brasil – processo que permanece inacabado.

 

Ora, quem pensa que um país com essas particularidades teria seus problemas solucionados com uma eleição, está redondamente enganado. Os problemas brasileiros são de ordem estrutural, e uma eleição é um episódio no desenvolvimento histórico de uma nação. Na realidade, brasileira as eleições são um episódio importante, mas é só um episódio. Esse episódio pode ser utilizado para acumular forças para um salto qualitativo no futuro ou pode ser desperdiçado pela superposição de interesses corporativos ou por esquerdismos infantis, causando um retrocesso incomensurável na história de um povo.

 

Depois que novos setores sociais chegaram à Presidência da República, cunhou-se a expressão “a esperança venceu o medo”. Devemos ser sinceros e perguntarmo-nos: a esperança que falávamos era a esperança de iniciar um processo de mudança em nosso País, ou era a esperança de solução de problemas corporativos? Os que em sua resposta optarem pela primeira afirmação têm que se posicionar de forma ética com os excluídos e continuar a defender a esperança que se consubstancia na continuidade da mudança em nosso país.

 

A necessidade de um projeto político para o Brasil

 

Para além da “ética” da direita, dos egoísmos e das frustrações dos que estão perdidos no meio da luta de classes e dos oportunistas de plantão, precisamos fazer deste momento um processo de debate político acerca de um projeto para o Brasil.

 

Todos se dizem democratas, defensores dos servidores públicos, dos excluídos e dos trabalhadores em geral, mas, na hora de falar como irão concretizar esses objetivos, aparecem as diferenças. E é justamente sobre essas diferenças que devemos debater.

 

Há os que defendem um “choque de gestão” para o Brasil; dizem que estamos gastando demais com servidores públicos; dizem que a máquina estatal está “pesada” e que precisamos conter os gastos públicos. A livre iniciativa e o “deus mercado” resolveriam tudo, dizem eles.

 

Essa posição já mostrou o que quer para o Brasil: privatizações, criminalização dos movimentos sociais, desvios dos recursos públicos para os setores privados, submissão internacional, etc. O que eles não dizem é quantos seres humanos serão prejudicados pela ausência do Estado. Como resolveremos os problemas de habitação, de saneamento básico, de saúde, de segurança alimentar, para ficar só por aí, sem a intervenção do Estado?

 

Existe, por outro lado, quem defenda a intervenção do Estado na solução dos problemas de nosso país. O Estado como indutor do desenvolvimento social e econômico. Um Estado garantidor de condições básicas para a maioria da população.

 

Nessa polêmica, não existem três lados; ou nos colocamos ao lado da elite que deseja retomar seu espaço perdido ou ao lado dos movimentos sociais, homens e mulheres que desejam edificar um país melhor para todos. Essa tomada de decisão deve se basear em princípios éticos, mas não uma ética abstrata que nada diz e que a todos serve, e sim a ética com a vida dos que sobrevivem em condições desumanas.

 

A grande imprensa já se posicionou, ela tem apresentado uma crítica contra o chamado “populismo de esquerda” e os “malefícios” de sua implementação; mas o que vem a ser esse “populismo”? E por que ele desagrada tanto às elites?

 

Todos os que estão obtendo esse “rótulo” têm como característica principal a defesa da intervenção estatal no enfrentamento das desigualdades sociais e econômicas impostas pelo capitalismo. São os que não querem mais aceitar os ditames do imperialismo. São os que entendem que nossa América Latina foi espoliada por séculos e agora precisa olhar para si e utilizar seus recursos – minerais, tecnológicos, industriais, etc. – em proveito de seu povo.

 

Os movimentos sociais também entraram nessa disputa. A Coordenação dos Movimentos Sociais – composta pela CUT, UNE, CONAM, MST, entre outras entidades – realizou no II Fórum Social Brasileiro a Plenária Nacional dos Movimentos Sociais, na qual elaboraram uma proposta de Projeto para o Brasil. Essa proposta – construída por consenso – tem como seus eixos principais as seguintes características: a soberania nacional, o desenvolvimento nacional, mais democracia para Brasil e mais direitos para o povo. Esses eixos se subdividem em propostas concretas que edificam um caminho autônomo, soberano e mais justo para o Brasil.

 

É necessário que a sociedade debata um projeto para o Brasil urgentemente. Nesse debate, devemos aprofundar que tipo de Estado o Brasil quer e precisa para enfrentar seus problemas.

 

O nível de desigualdade e injustiça social a que está submetida a imensa maioria do povo brasileiro nos impõe  a elaboração de um projeto político para o Brasil que tenha ética no trato com os recursos públicos, que dê esperança para solucionar os problemas de todos, dando prioridade para os que estão em situação de vulnerabilidade social, enfim, um projeto político que tenha como fulcro a dignidade da pessoa humana.

 

Como foi dito, nessa disputa não há três lados. Seja você servidor público, seja sindicalista, seja estudante, etc; olhe a realidade brasileira, esqueça sua particularidade e responda: de que lado você está?


[i] Leandro Alves é Presidente do Centro de Educação Popular 1º de Maio e Assessor de Políticas Sociais do Sintrajufe/RS. E-mail: [email protected]