Rilton Primo: A revolução entre a ganância, o exemplo e o pensamento

The Starfish and The Spider não passa de novo sucesso de mimetismo, desta vez, do centralismo democrático leninista, escrito por um ganancioso e sorridente ex-diretor do Centro de Segurança Cibernética Nacional dos EUA, Rod A. Beckstrom, hoje um pequeno tubarão de altas tecnologias. Não reverte, reforça a centralização que fará o 1% mais rico ter enfim mais que os 99% restantes!!

Por Rilton Primo, especial para o Vermelho
 

Ótima leitura”, recomendou com sinceridade, numa rede social, esta semana, um amigo de mente humanitária, inquieta e engenhosa, mas imatura, referindo-se ao The Starfish and The Spider, que traduziu como “uma analogia entre a aranha (centralização de poder) e a estrela do mar (descentralização de poder)”, chegando a transcrever dele este trecho: "Corte algumas pernas da aranha ou sua cabeça e ela morre. Corte uma estrela do mar ao meio e ela se torna duas estrelas independentes." Concluiu a postagem à deixa: “Internet, Alcoólicos Anônimos, índios Apaches, nos ensinam como é possível ter uma sociedade mais forte e justa, sem um liderança impositiva, mas com um grupo participativo e eventuais lideranças momentâneas pelo próprio exemplo.” Ai ai.

Não me contive; deixei-lhe um breve comentário. Com sua autorização, os reproduzo aqui não para dar exemplo do filosofar em redes sociais (e já dando, duas contradições em si, pois as redes não foram feitas para isto), mas para reagir aos estímulos mais amplos desta juventude socialista que debate organização e formação de quadros; afinal, quem, não ele, mas ela, chamasse de “sociedade mais forte e justa” a internet, o AA e os Apaches, omitiria que atrás da inclusão digital está a espionagem; que os AA destinam-se a interromper uma sequencia, mas de efeitos, não de causas; que os Apaches foram dizimados pelos arautos do estado de direito norte-americano até que o último grupo de 50 guerreiros, liderados pelo exemplo de Gerônimo, foi covardemente cercado por cinco mil soldados bem armados, hierarquizados até os generais que, sob ordens de governantes, servis à ganância, os submeteram, como o Conselheiro em Canudos, às imposições democráticas e republicanas hoje como nunca tão exemplares. Em que evoluímos?

Nestas omissões cínicas ou ingênuas, ignorantes ou ardilosas, espontâneas, induzidas, impostas, se expressa claramente o fato de que uma micro-sociedade mais forte e justa pode ser apenas um produto dissimulado, uma contradição necessária ou a antítese declinante de uma macro-sociedade mais fraca e mais injusta. A queremos forte e justa? Mas o que são o pensar e o exemplo? Qual é a oposição e a identidade entre o centralismo e o descentralismo pós-moderno?!

“Oi, meu caro. Creio ser uma boa oportunidade pra dar um pitaco sobre o tema, e já concordo com as analogias peludo-peçonhenta e espinhoso-submersa. Sempre discuti isto, atirei à roda dos meus melhores amigos de movimento orgânico: é melhor ter uma direção de 20, 30, 40 que um núcleo de 2, 3 manipuladores. Este modelo falido restringe a inteligência do grupo e o torna, quando muito, uma grande seita de acéfalos incapazes de revolucionar mesmo as suas próprias vidinhas previsíveis, inseridas dentro de caixas de Skinner ou já inerciais em comportamento arco-reflexo, que dirá a história. Comecei a pesquisar a origem psíquica e organizacional do sectarismo e, depois de alguns anos, terminei por tentar escrever sobre o tema, tamanha a riqueza dos achados. Não concluí o texto. O enigma revelou-se mais profundo. Os que achei que eram manipulados estavam fingindo, e os que manipulavam sabiam disto. Só ‘não sabia’ quem o queria!

À parte da administração leninista centralista-democrática, que sepultou o sectarismo a favor do Partido de novo tipo, que sabe recuar, dispersar-se em células tão pequenas quanto necessário em momentos de extrema reação e recompor-se mais que integralmente após eles, acumular forças organizativas e derrocar seus rivais, mediocridades acontecem nos fenômenos sectaristas, sem perspectivas de tomada do poder político para além das vitórias pontuais inarticuláveis em uma revolução social gradual ou abrupta. As seitas se isolam estrategicamente. São singulares, não plurais. Esbatem entre os de dentro e de fora fronteiras rigorosas. Atraíran alguns ególatras. Deixaram outros excuídos.

“Os de fora da seita não estavam em desacordo com as práticas da direção rotativa ou viciada, cinicamente consentida ou teatralmente imposta, eram anarquistas, liberais, democratas, por pura vontade de não se submeter a nada racional nem a ninguém, nunca, terminando por serem objetos úteis ainda mais maquinizados do sistema contra o qual as seitas se embandeiram inutilmente, irracionalmente, ridiculamente. Uma breve multidão de duas pessoas que pensem claramente já é suficiente, a história o mostrou, para provar que o que pensam não é só um monte de ócios. Um dia alguém disse que precisava de 12 homens pensantes para fazer estremecer o czarismo multi-secular. Depois, outros ainda acreditaram poder ruir o sistema sucessório milenar dos imperadores de Pequim. Em seguida, em todo Globo, um terço das outras Romas ruíram, onde se reergueram!

“Que a ganância humana destrói qualquer intento pensante, é conclusão ao alcance de alunos do segundo grau do Instituto Ponte Nova no município de Wagner, quando o debate é socialismo e capitalismo, repúblicas populares e empresariais. Quem sabe um dia surja quem diga que precisa de tantos pensantes para fazer estremecer a ganância multimilenar? Enquanto isso, vender livros sobre aranhas e estrelas do mar, ou distribuí-los gratuitamente, sem querer querendo, como criar ou extinguir seitas, inserir-se em caixas de Skinner ou evadir-se delas, são inconfessáveis luxos dissimulatórios do impensado e do invisível, circundante, ditatorial discreto, inconsciente interessado, que não admite ser o que é para poder mais livremente ser o que não deve. E quem disser a mentira está impondo. E quem disser a verdade está impondo também. Por isso é melhor não dar opinião nenhuma, muito pelo contrário. Chega ao paradoxo: “Não ouçam nada, nem isto!”.

“Melhor dar o exemplo. Nada mais persuasivo e, se a intenção é oposta, igualmente, nada mais dissuasivo. A “não cooperação” não foi ordem quase superior ao “atacar” que sempre a dissipou? Rousseau lembrou que, seja como for, grotesco, gentil, absurdo, sublime, um gesto, um símbolo caro, supera mil palavras. Já coisas como álgebra, lógica, filosofia, erram e acertam no varejo. Corrigem-se ao tempo que gaguejam. Quem tem pressa, quem pensa em ampliar, globalizar seu empreendimento, trabalha com educação em atacado. Foi Einstein ou Gandhi quem, pensando por si mesmos, confirmaram que o exemplo não seria o melhor meio de influenciar pessoas, de uma forma mimética, seria o único. Daí o que os pós-modernos vem chamando "fim" das "longas narrativas", dos "sermões demorados". Reina a mídia, a imagem e o mimetismo. Por isto diz-se se vai ao espetáculo, para nos comprazirmos com a sensação de termos realmente as emoções que, na cidadania, afetamos ter. Apocalípticos e integrados, em nado sincronizado, são pós-modernos?

“Claro que as analogias não precisam ser necessariamente as peluda-peçonhenta e espinhoso-submersa. Claro que Einstein ou Gandhi podem ter se referido não ao mimetismo ingênuo, mas à educação. Mas não está claro onde está o pensamento e a ganância, a razão dos seus exemplos, por exemplo. Um, pseudo-pacifista, é dos maiores corresponsáveis pela era das armas nucleares, explorava a esposa matemática até sua definitiva internação e abandono no hospício entre outras artimanhas ilusionistas, como guardar orgulhosamente cheques de prêmios milionários como marcadores de livros, enquanto crianças morriam de fome e sede. O segundo pacifista confessou deixar o pai morrer sozinho para saciar seus apetites carnais e, após perder diversas oportunidades de ajudar a libertar o seu povo, de acabar com as castas, foi assassinado por um seguidor impaciente antes que terminasse de mergulhar a Índia em autoflagelações, jejuns e falsa pusilanimidade ante a arrogância impotente britânica. Não terminou com as castas. Não desfez a ganancia britânica. Ele é que terminou. Agora a Índia tem as ogivas criadas pelos exemplares ícones de nossa civilização talvez sem líderes maiores que a ganância mais íntima que a libertará. A ambição maior, que Gandhi dizia ter, talvez, e que certamente os Apaches tiveram sem o saber.