Samuel Beckett, a arte do cotidiano e pessoas comuns

A próxima segunda-feira (13) marca o nascimento do dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett. Sua obra está entre as mais influentes do século 20, precursor do “Teatro do Absurdo”, ao longo do tempo seu trabalho se tornou cada vez mais minimalista.

Samuel Beckett - Reprodução

De família buguesa, Beckett se dedicou à vida acadêmica, estudou Literatura Moderna e se especializou em francês e italiano. Trabalhou como professor e publicou suas primeiras novelas quando lecionava em Paris.

Durante a Segunda Guerra Mundial foi um ativista que se uniu à resistência francesa contra a invasão do exército nazista em paris, mas raramente falava sobre a militância política quando mais velho.

A obra de Beckett é um marco na dramaturgia que inspira autores ao longo de décadas, foi um dos principais íncones do Teatro do Absurod, que faz uma intensa crítica à modernidade. Sua obra mais famosa no Brasil é Esperando Godot, em 1969 recebeu um Nobel de Literatura.

Para o dramagurto Luiz Henrique Dias, Beckett pode ser considerado um divisor de águas na história da dramaturgia onde heróis saem de cena para dar espaço às pessoas comuns. “Godot é a obra mais conhecida e tida por muitos dramaturgos e diretores como o início de um novo teatro, o teatro cotidiano, onde os grandes heróis perdem espaço para pessoas comuns, ou próximas ao anonimato, e as grandes batalhas épicas e amores impossíveis desaparecem, para dar lugar a fatos desimportantes no caráter histórico/fabuloso. Isso coloca a subjetividade em primeiro lugar e reinventa o teatro”, explica.

Esperando Godot foi a primeira peça de teatro escrita por Beckett, publicada originalmente em francês em 1952, foi montada por Roger Blin em um pequeno teatro da capital francesa na época. O Brasil foi o segundo país a ter a montagem do texto em 1955, sob a direção de Alfredo Mesquita.

Veja trechos da obra Esperando Godot:

“ Quão trabalhosa é a profissão que eu escolhi! Um dia sim e o outro também, em viagem. A preocupação com os negócios é muito maior quando se trabalha fora do quando se trabalha no escritório, e não falemos desta praga das viagens: cuidar das conexões dos trens; a comida ruim, irregular; relações que mudam sempre, que não dura nunca, que não chegam nunca a ser verdadeiramente cordiais, e nas quais o coração nunca pode ter participação. Ao diabo tudo isso!

(…)

A necessidade de madrugar, pensou, entontece por completo a gente. O homem precisa dormir tempo justo. Há viajantes que levam uma vida de odalisca. Em meio à manhã, quando regresso à hospedaria para anotar os pedidos, encontro-os ainda à mesa, tomando a refeição matinal. Se eu, com o chefe que tenho, quisesse fazer o mesmo, na mesma hora estava no olho da rua. E quem sabe se isso não seria o mais conveniente para mim?

Se não fosse pelos meus pais, há muito tempo eu me teria despedido.

Apresentava-me diante do chefe e, de peito aberto, lhe faria sentir meu modo de pensar. Cairia da mesa! É engraçado isso de sentar-se em cima da mesa, para, daquela altura, falar aos empregados, que, por ele ser surdo, precisam aproximar-se muito. Mas ainda não perdi inteiramente as esperanças. Quando eu tiver reunido a quantidade necessária para pagar-lhe a dívida dos meus pais – uns cinco ou seis anos ainda -, não há dúvida de que o faço! E então, sim, que me arrumo! Bem, mas por enquanto o que tenho a fazer é levantar-me, que o trem sai às cinco.“

***
"Vladimir
Não percamos tempo com palavras vazias. (Pausa. Com veemência) Façamos alguma coisa, enquanto há chance! Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel. O que me diz? (Estragon não fala nada) Claro que, avaliando os prós e os contras, de cabeça fria, não chegamos a desmerecer a espécie. Veja o tigre, que se precipita em socorro de seus congêneres, sem a menor hesitação. Ou foge, salva sua pele, embrenhando-se no meio da mata. Mas não é esse o xis da questão. O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, dentro desta imensa confusão, apenas uma coisa está clara: estamos esperando que Godot venha.

Estragon
É mesmo.

Vladimir
Ou que a noite caia. (Pausa) Estamos no lugar e hora marcados e ponto final. Não somos santos, mas estamos no lugar e hora marcados. Quantos podem dizer o mesmo?

Estragon
Multidões.

Vladimir
Você acha?

Estragon
Não sei.

Vladimir
É possível."

 

Do Portal Vermelho,
Mariana Serafini