A elite conservadora que dirige na contramão do mundo

O juiz Luiz Fernando Rodriguez Guerra, da 5ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, determinou a suspensão da construção das ciclovias permanentes na capital paulista. O magistrado acatou a argumentação do Ministério Público estadual de que a prefeitura não apresentou projetos básicos para a execução do projeto e nem fez audiências públicas sobre a implementação da ciclovia.

Por Mariana Serafini

Manifestação em Higienópolis contra a ciclovia - Reprodução

Desde o início da implantação o projeto vem sofrendo golpes de grupos conservadores da elite paulistana. Moradores do bairro de Higienópolis, região abastada da cidade, chegaram a queimar pneus e fazer “barricadas” nas vias onde as ciclovias foram implementadas. Por diversas vezes “ameaçaram” abrir ações no Ministério Público para “denunciar” o “caráter da obra”.

As ciclovias são uma tendência mundial, capitais do mundo inteiro buscam uma alternativa modal não poluente para desafogar o trânsito e devolver o direito à cidade às pessoas. No entanto, o que leva fama de moderno e desenvolvido lá fora, ganha ares de “afronta” em terra tupiniquim.


Moradores de Higienópolis fazem manifestação contra as ciclovias 

Na contramão do mundo, a elite paulistana caminha rumo ao retrocesso. Os argumentos contra a implantação das ciclovias beiram o ridículo. O aposentado Francisco Augusto da Costa Porto, de 74 anos, morador de Higienópolis, chegou a afirmar em entrevista ao vetusto jornal paulistano O Estado de S. Paulo que os ciclistas são “desqualificados”. “Quem anda de bicicleta não presta, hoje nós sabemos disso. São pessoas não qualificadas. Então vamos ficar sujeitos a esses riscos aqui?”, questionou. A médica Célia Funari, de 47, disse que “surtou quando viu a faixa da prefeitura”.

O senador do PSDB Aloysio Nunes disse em seu perfil oficial no Twitter que as ciclovias são o “delírio autoritário de Haddad” implementadas para “provocar a revolta dos moradores de Higienópolis”. Já o colunista da revista Veja e comentarista de política da rádio CBN, Reinaldo Azevedo, trata constantemente a ciclovias por “Estado Islâmico de duas rodas”.

Tendência mundial

O gerente de transportes ativos no Brasil do Instituto para Políticas de Desenvolvimento e Transportes da cidade de Nova York, nos EUA, Thiago Benites, e que atua com prefeituras na elaboração de projetos de mobilidade afirmou, em entrevista ao Estadão, que a medida do MP é “um retrocesso que não se viu em nenhum lugar do mundo”.

O especialista explica que o processo de instalação das ciclovias no Brasil é semelhante a outras cidades do mundo e “não parece que não há estudos”. Segundo ele, há, na verdade, uma série de estudos nunca implementados e este conceito de rede mínima, estipulado pelo prefeito Fernando Haddad, mostra que há planejamento.


Bicicletário em Amsterdã, na Holanda
 

Grandes metrópoles encontram na bicicleta uma saída saudável, não poluente e barata para amenizar o impacto negativo dos carros individuais na mobilidade urbana. Berlin, na Alemanha já tem mais de 700 quilômetros de ciclovias, Nova York (EUA) conta com 675 km, Amsterdã, na Holanda tem 400km. Na América Latina também é uma tendência, Bogotá, na Colômbia já tem 359km e pretende ampliar, Buenos Aires, na Argentina têm 130km. No Brasil ainda são poucas cidades a utilizar este recurso, as principais são Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.

O projeto do prefeito Fernando Haddad, apresentado durante a campanha eleitoral, prevê a implantação de 400 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e calçadas compartilhadas, até o momento foram feitos 262,24km.

Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) o município já conta com 458,34km de infraestrutura cicloviária composta por ciclovias, ciclorrotas, calçadas compartilhadas, ciclofaixas definitivas e ciclofaixas operacionais de lazer. Além disso, há 227 estações que disponibilizam mais de duas mil bicicletas públicas à população.

“O aumento do número de viagens de bicicleta no Município de São Paulo, confirmado pelos resultados das últimas pesquisas de Origem e Destino do Metrô (1997 e 2007), e as políticas públicas recentemente praticadas pelas maiores metrópoles do mundo, com vistas à mudança da matriz energética do planeta, definem como uma das diretrizes da atual gestão da Prefeitura do Município de São Paulo, o estímulo à utilização da bicicleta como meio de transporte e o investimento na implantação e ampliação da infraestrutura cicloviária em nossa cidade”, diz a CET.

Para a jornalista do El País, Talita Bedinelli, “a decisão da Justiça de paralisar as obras das ciclovias da cidade é mais um lance na sucessão de golpes políticos sobre o prefeito Fernando Haddad (PT) desde que começou seu mandato, em janeiro de 2013”.

Cicloativismo

Imediatamente após a determinação judicial, ciclistas da capital paulista mobilizaram uma manifestação realizada na noite desta quinta-feira (19), na Praça do Ciclista, entre as avenidas Consolação e Paulista. O ato contou com a participação de centenas de pessoas.

Em nota a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), e outras entidades de cicloativismo, afirmam: “A ação civil pública proposta, com pedido de liminar, questiona não apenas o método de implantação de tais estruturas, mas a importância da política pública em si, colocando em xeque a promoção o uso da bicicleta em uma cidade como São Paulo”. Veja o documento completo aqui.

Ciclistas colaram cartazes na porta do Ministério Público em São Paulo | Foto: Alex Gomes – Bike Zona Sul

Em entrevista à revista CartaCapital o diretor da Ciclocidade, Daniel Guth, disse que a entidade recebeu “com estarrecimento a ação do Ministério Público”, porque a ação civil é “muito grave na forma como advoga em favor do carro e questiona a política pública”.

Já o pesquisador René Fernandes afirma que os argumentos da promotoria pública contra a implantação das ciclovias são infundados porque antes mesmo da gestão de Haddad já haviam sido realizadas consultas públicas e o prefeito fez seu plano de metas com o objetivo de atender a uma necessidade popular.

Do Portal Vermelho