Por que a chuva em SP não vai resolver o problema do abastecimento 

O racionamento de água na região metropolitana de São Paulo tem como agravante o festival de nonsense perpetrado pela equipe do governo Alckmin. A comédia começa com as declarações de Paulo Masssato, diretor metropolitano da Sabesp, dizendo que “se houver alguma crise maior, vamos distribuir água de canequinha”.

Por Edson Domingues, para o Diário do Centro do Mundo*

Nível do Cantareira volta a cair e poderá entrar em colapso - Lucas Lacaz Ruiz/ AE

Mauro Arce, secretário de Recursos Hídricos, descarta categoricamente o rodízio de água até 2015. Já Dilma Pena, diretora-presidente da Sabesp, derrapou ao afirmar que a falta de água em diversas regiões de São Paulo não é problema de racionamento ou rodízio, mas sim redução de pressão na distribuição do sistema de água. Até mesmo as torneiras do Palácio dos Bandeirantes já trouxeram a realidade a tona.

Mas nem mesmo as torrenciais chuvas salvarão o Sistema Cantareira a médio ou longo prazos.

Para o Cantareira se recondicionar e voltar às condições aceitáveis de 80% da capacidade total às vésperas do período de estiagem será necessário o mais úmidos dos invernos. A capacidade de armazenamento é de quase 1 trilhão de litros de água.

Em dezembro passado, o regime de chuvas atingiu 62 milímetros. A média histórica neste mês é da ordem de 226 milímetros. Em janeiro, tivemos apenas 87,8 milímetros, ante a média histórica 260 milímetros.

Se somarmos a realidade pluviométrica do final de 2013 e o início de 2014 no Cantareira, somente alcançaremos a chamada “segurança de abastecimento” se o regime de chuvas fosse inversamente alterado, algo inimaginável.

Em maio de 2013, tivemos apenas 2,3 milímetros de chuvas acumulados no mês. Em 2003, maio foi mais chuvoso, mas mesmo assim com míseros 32,6 milímetros.

Mas não se pode creditar apenas à falta de chuva a atual crise de abastecimento na região metropolitana.

Desde 2004, a Agência Nacional de Águas alerta para a alta dependência do Cantareira.

Os maiores competidores pelo consumo de água, Campinas e Piracicaba, continuarão a reivindicar fatia maior do sistema, considerando a letargia da Sabesp no controle de perdas e a obsoleta rede de distribuição.

O déficit no fornecimento de água vinha aumentando ano a ano. Aliado a isso, o consumo por habitante na maior cidade do Hemisfério Sul cresce anualmente, criando um déficit na relação disponibilidade/demanda.

Cada vez que a Sabeso anuncia uma parceria público-privado para expansão busca de água em regiões cada vez mais distantes, o bem escasso passa a entrar no balanço das grandes corporações.

Qualquer iniciativa, como a anunciada às vésperas do racionamento, de buscar água no Vale do Ribeira (Sistema São Lourenço), somente trará leve conforto ao Cantareira daqui a 5 anos. Ainda assim, será suficiente para a zona oeste da região metropolitana em médio prazo.

Assim, antes de culpar o clima seco pelo desabastecimento de água, é preciso lembrar do elemento humano: a frágil capacidade de gestão e o sucateamento da máquina pública.

*Edson Domingues,  é escritor, ambientalista e autor de projetos de sustentabilidade na periferia de São Paulo. Formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, FESPSP.