Mateus Fiorentini: Vozes latino-americanas, como integrá-las

Acabamos de sair de uma das mais exitosas Bienais de Cultura e Arte da UNE. Como sempre um tema vinculado ao nacional e ao popular orientava o evento. Desta vez o desafio foi discutir como o idioma falado no Brasil é um elemento de unidade e diversidade do povo brasileiro.

Por Mateus Fiorentini*, no Portal da UJS

Mapa da América Latina - Reprodução

Aqui já fica a questão: se o nosso idioma é nosso elemento de identidade enquanto brasileiros o que nos vincula com a América Latina? É constante o argumento de que o fato de não falarmos a mesma língua que nossos “hermanos” nos aparta de uma identidade latino-americana. Entretanto, a nossa identidade linguística é um dos maiores trunfos para nossa integração.

Em uma ocasião o economista cubano Osvaldo Martinez disse: “de largada temos uma facilidade para a nossa integração; o idioma” e complementou dizendo que “se vocês, brasileiros, falassem devagar nós (cubanos) entenderíamos e se nós falássemos devagar vocês nos entenderiam”. Pois, nossos idiomas tem a mesma raiz e por isso se parecem. Muito diferente da Europa onde deve-se integrar um país que possui uma língua de origem latina com outro de origem anglo-saxã. Esse comentário derruba por completo o argumento que afirma que nós brasileiros não nos encaixamos na América Latina.

Assim, se o nosso idioma é um elemento que favorece a integração da América Latina também o é a nossa cultura. Quando superamos a barreira imposta pela indústria cultural encontramos muito mais pontos de encontro que de distanciamento. A tradição comum africana das culturas brasileira e cubana fazem com que na Santeria e no Candomblé cultuemos os mesmos orixás.
Ao olhar para a Bolívia encontramos a matriz Tupi-Guarani a mesma que por um longo período foi hegemônica no Brasil. Na Venezuela os escravos que fugiam da escravidão se organizavam em Quilombos, tal qual aqui. O mesmo xote que se dança no Recife, com suas variações, se dança na Argentina e assim por diante.

Se conseguirmos enxergar isso entenderemos que somos mais latinos do que pensamos. É uma das formas de superar aquela velha máxima de que o Brasil foi formado de costas para a América Latina e ignorando a África.

Vivemos um momento ímpar para essa integração. A eleição de governos progressistas e de esquerda na América Latina possibilitou um salto sem precedentes com o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac.

Na América Latina a nossa identidade se dá, também, nas muitas lutas que compartilhamos. Lutamos junto ao povo cubano pela libertação dos cinco heróis presos nos EUA e pelo fim do bloqueio, com os colombianos pela paz com justiça social e democracia, com os paraguaios contra o golpe e o neoliberalismo, com Porto Rico pela sua independência, com os chilenos pela educação pública, com os venezuelanos em defesa da Revolução Bolivariana. Sendo assim, a política e a luta constituem-se em elementos fundamentais para a união latino-americana.

Compartilhamos uma realidade e uma luta comum em defesa da educação. Da mesma forma que lutamos pelo investimento de 10% do PIB em educação aqui, no Uruguai e na Nicarágua a luta é por 6%, na Argentina por 7%. No Chile, na Colômbia, Peru, entre outros, a luta contra a mercantilização da educação tem grande intensidade da mesma forma que aqui lutamos contra os tubarões do ensino.

Foi diante dessa realidade que, em 2011, conseguimos organizar uma Jornada de Lutas unificada em toda a América Latina em defesa da educação e a campanha “Educación no es mercancia!” lançada pela Oclae e a criação do Enlaces (Espaço Latino-americano e Caribenho de Educação Superior), espaço autônomo do demos universitário da região vinculado à Celac.

Por fim, podemos dizer que nossas vozes já estão integradas o que precisamos é deixar de lado nossa síndrome de vira-latas. Estamos em um momento privilegiadíssimo para o avanço da nossa integração política, econômica e cultural.

No último período a direita e os setores pró-imperialistas e conservadores buscaram impor uma ofensiva visando frear e derrotar o projeto integracionista. Diante disso a nossa resposta deve ser mais integração e mais cooperação, mais “latino-americanismo”. Assim, a educação pode cumprir um papel chave no sentido de produzir um pensamento genuinamente latino-americano, pesquisa comprometida com o desenvolvimento soberano do nosso continente e extensão voltada para resolver as grandes desigualdades sociais e regionais existentes. E, assim, fortalecer a identidade e a união latino-americana.

*Mateus Fiorentini é diretor de formação e solidariedade internacional da UJS e integra a equipe de colunistas da entidade