Carnaval, suor e resistência

Durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira, diversas foram as formas que coletivos encontraram de se expressar e neste contexto de medo e repressão, algumas escolas de samba não deixaram os crimes da ditadura embaixo do tapete para entrar na avenida, pelo contrário, trouxeram à luz um grito de liberdade.

Por Mariana Serafini, do Vermelho

Desfile da Salgueiro em 1968 - Reprodução

O Carnaval, enquanto expressão popular, canta todos os anos – em maior ou menor escala – a realidade do povo brasileiro. Durante a ditadura militar não foi diferente, apesar da censura constantes do Dops, alguns sambistas corajosos fizeram de seus sambas enredo verdadeiros gritos de resistência.

Com samba no pé, as escolas de samba Acadêmicos do Salgueiro, Império Serrano e Vila Isabel não dançaram a música que a ditadura tocou. Cantaram contra o regime, mesmo com censura e ameaças. 

A Salgueiro desfilou em 1967 com o enredo A história da liberdade no Brasil, onde exaltou lutas populares. Todos os ensaios foram monitorados pelo Dops, que liberou a escola para o desfile na Sapucaí.

Já a Império Serrano se arriscou logo no primeiro carnaval depois do AI-5, o ano era 1969 e os compositores Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira foram obrigados a mudar a palavra “revolução” por “evolução” no samba-enredo Heróis da Liberdade.

A música usava como plano de fundo a Inconfidência Mineira: “Ao longe soldados e tambores/Alunos e professores/Acompanhados de clarim/Cantavam assim/Já raiou a liberdade/A liberdade já raiou/Essa brisa que a juventude afaga/Essa chama/ Que o ódio não apaga pelo universo/É a revolução em sua legítima razão”. Considerada subversiva, a frase foi reescrita. “É a evolução em sua legítima razão”.

A Unidos de Vila Isabel levou para a avenida o samba Sonho de um Sonho, já nos anos 80, ainda sob a ditadura. Inspirada na poesia de Carlos Drummond de Andrade e assinada por Martinho da Vila, a composição clamou por liberdade sem disfarçar: “Um sorriso sem fúria entre o réu e o juiz/A clemência e a ternura por amor da clausura/A prisão sem tortura, inocência feliz/Ai meu Deus/Falso sonho que eu sonhava”.

A música que a ditadura tocou

Porém, nem só a resistência cantaram as escolas de samba, algumas usaram a avenida para impulsionar e fortalecer o regime opressor. Foi o caso da Beija-Flor de Nilópolis que nos carnavais de 1974 e 1975 propagou o ideal militar de que “este era o país de um presente grandioso e um futuro promissor”.

No samba Grande Decênio de 1974 a escola levou para avenida uma verdadeira “propaganda” da ditadura: “Nas asas do progresso constante/ Onde tanta riqueza se encerra/ Lembrando PIS e Pasep/ E também o Funrural/ Que ampara o homem do campo/ Com segurança total/ O comércio e a indústria/ Fortalecem nosso capital/ Que no setor da economia/ Alcançou projeção mundial/ E lembraremos também/ O Mobral, sua função/ Que para tantos brasileiros/ Abriu as portas da educação”

A Imperatriz Leopoldinense foi ainda mais longe e usou um dos lemas do governo de Emílio Garrastazu Médici em seu samba enredo. Por meio do personagem Martim Cererê de Cassiano Ricardo, a escola cantou o refrão: “Gigante pra frente a evoluir / Milhões de gigantes a construir /Vem cá Brasil/Deixa eu ler/ A sua mão menino/ Que grande destino/Reservaram pra você”.

De uma forma mais discreta, a Estação Primeira de Mangueira usou as belezas naturais para destacar o período que o país vivia em 1970 com Um cântico à natureza: “Oh, lugar! / Oh, lugar! / Tudo que se planta dá / Terra igual essa não há/ Isso é Brasil!”.

Ouça todas as músicas citadas: 

A história da liberdade do Brasil – Acadêmicos da Salgueiro 


Heróis da Liberdade – Império Serrano
 

Sonho de um sonho – Vila Isabel
 

Gande Descênio – Beija Flor 
 

Martim Cererê – Imperatriz Leopoldinense
 

Um cântico à natureza – Mangueira 
 


Leia também: 

Restos de Carnaval

Bandeira Branca