O papel estratégico do Plano Diretor de SP na composição da cidade

Com o avanço do capital que tem como marca os interesses individuais, em particular das classes mais favorecidas, o caos urbano é um problema comum entre as grandes cidades.

Por Manuela Braga*, para o Vermelho

Manifestação MTST - Reprodução

São carros de uso individual que congestionam as principais vias públicas, transporte de uso coletivo com tarifas caras e má qualidade que não suportam o alto contingente da população que todos os dias têm que se deslocar por horas até chegar em seu local de trabalho/estudo e cenários urbanos que pouco dialogam com as necessidades reais da população e são, também, promotores do desrespeito, desigualdade e da discriminação social.

Em “A cidade, lugar estratégico do enfrentamento das classes”, Michael Löwy apresenta as observações de Walter Benjamin, e já no século 19, pós-revolução francesa, mostra Paris do ponto de vista urbano e da luta de classes, como uma cidade onde as classes procuram modificar o espaço urbano a seu favor, com as “vitórias” confinadas a burguesia. Sofre ainda uma operação de embelezamento, renovação e modernização da cidade, sem levar em conta os processos sociais, sendo justificado pela a higiene a demolição de bairros “insalubres” e “arejamento” do centro de Paris (Haussmanização), transformando Paris em uma cidade “desolada e morna” (Le Corbusier).

Qualquer semelhança com o cenário de quase dois séculos depois não é mera coincidência, as cidades foram crescendo de costas para a periferia, de forma a dar espaço para o automóvel e o desenvolvimento do capital imobiliário, promovendo uma higienização dos centros e uma arquitetura urbana de gentrificação com uma separação promovida de acordo com as classes sociais.

No Brasil, onde o processo de industrialização aconteceu de forma tardia e em velocidade elevada, ainda assim concentrado no sudeste, graças aos proventos da produção cafeeira nessa região, tal processo motivou o rápido e descontrolado crescimento das cidades através do êxodo rural, essa grande massa populacional encontrou no espaço dos grandes centros urbanos dificuldades para a permanência.

As populações menos abastadas tiveram que buscar moradia em zonas mais afastadas dos grandes centros: favelas, invasões e ocupações irregulares, espaços desprovidos de serviços de atendimento básico. O trabalhador morava em habitações precárias e se deslocava por grandes distâncias em uma cidade cada vez mais inchada para trabalhar ou usar serviços, cenário que permanece até os dias atuais.

Esse processo acompanhado da falta de investimentos em áreas estratégicas de habitação e mobilidade, faz nos depararmos hoje com um déficit de mais de 5 milhões de moradias em todo o Brasil, sendo cerca de 1/5 dessas concentradas na capital paulista (IBGE/Pnad 2012), 73% delas em famílias de até 3 Sm.

Outro grave problema é o transporte público que de forma geral é considerado ruim e ineficiente, com passagens caras e ônibus lotados, veículos em condições ruins, com grandes tempos de espera, onde prevalece os interesses privados em detrimento do interesse público.

Em São Paulo, algumas alternativas de contraposição a lógica do padrão individual do transporte, já vêm sendo tomadas como as faixas exclusivas de ônibus que aumentam a rapidez do transporte coletivo, as ciclovias e ciclofaixas, medidas ainda isoladas que precisam ser estruturadas dentro de um planejamento eficaz.

O Plano Diretor é uma ferramenta das cidades de fortalecimento dos processos de planejamento e gestão frente às transformações, capaz de, por meio do coletivo, estudar, discutir e implementar soluções como respostas às demandas do urbanismo, da habitação e do transporte.

O Plano Diretor Estratégico foi discutido no contexto político de encontrar alternativas para a cidade que vem sendo construída, tentando responder ao questionamento da “cidade que queremos construir”, de forma que venha a atender as necessidades de desenvolvimento econômico, social, ambiental, cultural e imobiliário.

O PDE traz como principal encaminhamento o controle da urbanização, através da revisão da lei de uso e ocupação do solo, planos de desenvolvimento regionais, projetos urbanísticos, códigos de obras e os planos setoriais, como mobilidade e habitação. Busca concentrar o processo de crescimento e transformação da cidade ao longo dos eixos de transporte coletivo de massa e ao longo da orla ferroviária onde existem glebas de grandes dimensões e imóveis subutilizados, evitando o tradicional e especulativo processo de expansão horizontal, que gera segregação socioterritorial, longas distâncias entre a moradia e o trabalho e a depredação do meio ambiente.

Esse processo articula o uso do solo à mobilidade e exige a priorização do transporte coletivo, modais sustentáveis e qualificação do espaço público, criando novos polos de desenvolvimento econômico nas periferias da cidade.

A participação de toda a sociedade, mas em especial dos movimentos de moradia, deu origem no PDE a formas de desenvolver Habitação de Interesse Social em locais bem servidos de infraestrutura e emprego, através da revisão da lei de uso e ocupação do solo que amplia as Zonas Especiais de Interesses Social (Zeis) sobre áreas subutilizadas ou vazias, em todas as macroáreas. A cota de solidariedade que na aprovação de um terreno imobiliário de grande porte (maior que 20 mil m² de área computável), determina a doação de 10% da área construída para HIS e a destinação de 30% dos recursos do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), todas essas com prioridade para famílias com renda de até 3 Sm. Essas iniciativas aprovadas, passam a fazer parte da política de aquisição de terrenos, cumprindo a função social da propriedade determinada no Estatuto das Cidades.

O PDE tem um espaço de 10 anos para a revisão da lei, um período curto mediante aos grandes desafios postos, mas suficiente para analisar diante das primeiras experiências o que deu certo e o que deu errado, infelizmente a forma com que isso acontece varia principalmente da gestão da cidade, basta sabermos que o último plano deveria ter sido revisado em 2012 e não foi, além claro da importância da participação popular.

O plano diretor deve ser visto como um meio, construído em um processo democrático com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais, desenvolvendo de forma sustentável e promovendo a qualidade de vida. Está dado o grande desafio da maior cidade do continente americano e dos demais grandes centros urbanos.

*Manuela Braga é vice-presidenta da União da Juventude Socialista e estudante da FAU – Mackenzie