Renato Barreiros: Ostentação em crise

Um dos maiores fenômenos musicais dos últimos anos está em crise, o funk ostentação. Nascido no ano de 2008 em Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, é cada vez menos ouvido entre o público que o consagrou: a juventude da periferia paulistana.

Por Renato Barreiros*, no Farofafá

Mc Naldinho - Divulgação

A mudança no cenário cultural começou no ano passado, quando todos os MCs da ostentação ainda gastavam milhares de reais para produzirem seus clipes, mas passaram a falar de artigos de luxo AAA, estes cada vez mais caros e distantes do poder de consumo da nova classe C. No começo da explosão do funk ostentação, o MC Boy do Charmes se imaginava dirigindo um carro modelo Megane ou uma moto 1100 cilindradas. Hoje, as músicas falam em Ferraris e Lamborguinis.

Um dos maiores fenômenos musicais dos últimos anos está em crise, o funk ostentação. Nascido no ano de 2008 em Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, é cada vez menos ouvido entre o público que o consagrou: a juventude da periferia paulistana.

A mudança no cenário cultural começou no ano passado, quando todos os MCs da ostentação ainda gastavam milhares de reais para produzirem seus clipes, mas passaram a falar de artigos de luxo AAA, estes cada vez mais caros e distantes do poder de consumo da nova classe C. No começo da explosão do funk ostentação, o MC Boy do Charmes se imaginava dirigindo um carro modelo Megane ou uma moto 1100 cilindradas. Hoje, as músicas falam em Ferraris e Lamborguinis.

Com milhões de acessos no YouTube, os MCs da ostentação passaram a ser disputados por emissoras de TV, tiveram suas músicas veiculadas em grandes rádios comerciais e se aproximaram das grandes gravadoras – as mesmas que torciam o nariz para movimentos que não controlavam.

Essa aproximação fez com que os MCs da ostentação mudassem suas letras e ritmos para um formato mais adequado ao gosto de seus novos consumidores, a classe alta, e aos padrões do que exibe a grande mídia.

Outro fato que deve ser levado em conta quando falamos na crise do funk ostentação é o momento que vive a economia brasileira. Quando surgiu, o movimento teve seu ápice acompanhando a “ascensão da nova classe média”.

O resultado dessa crise é que os atuais sucessos do funk nas periferias em São Paulo voltaram a ser um misto de proibidão e da chamada “putaria”. O Passinho do Romano, hoje a maior febre, surgiu depois que um dos jovens dançava se contorcendo após ter inalado o que chamam de lança perfume, que na verdade é uma fórmula amadora e imprecisa que reúne éter, aroma de alguma fruta e acetona, além de outras possíveis químicas.

O Passinho do Romano surgiu antes mesmo que as músicas falando sobre ele fossem lançadas. Hoje, embora tenha tomado uma enorme proporção e não estando mais tão diretamente ligado ao consumo de lança perfume, os primeiros sucessos que falavam do “Romano” tinham citações explicitas ao consumo de drogas como “Lança de Coco”, de MC Bin Laden, “Passinho do Romano”, de MC Crash, e “Não quero Flash”, de Juninho Jr.

Além de fazer sucesso com suas músicas para o Passinho do Romano, MC Bin Laden ressuscitou o funk proibidão, falando do crime na periferia de São Paulo. Na fase áurea da ostentação, essa vertente sobrevivia apenas na voz doMC Kauan. Bin Laden tem entre seus primeiros sucessos a música “Barulho do motor -Bololo” e “Bololo – Haha”.

Entre as músicas da chamada “putaria” é o MC Pedrinho, com apenas 11 anos e que ganhou o apelido de “príncipe da putaria”, quem incendeia os bailes. Seu maior sucesso é a música“Dom, Dom, Dom”. Além de Pedrinho, os MC Livinho, com “Picada Fatal”, e MC Japa, com “Perereca Suicida”, são alguns dos novos Mcs que fazem sucesso dentro desse subgênero do funk.

Outro duro golpe no funk ostentação foi a ampliação dos “fluxos”, os bailes de rua chamados pela grande imprensa de “pancadões”, onde surgiu o Passinho do Romano e as músicas de proibidões e putarias são as mais tocadas. Os “fluxos” fizeram com que caísse a demanda por MCs. Os cachês despencaram. Os “pancadões” são realizados apenas com a aparelhagem de som dos próprios carros, sem apresentações ao vivo.

As casas noturnas da periferia, que contratavam MCs de sucesso e garantiam bons cachês para ter suas pistas cheias de jovens, estão vendo seu público minguar. Elas não têm como concorrer com os “fluxos” que brotam espontaneamente na rua. É muito mais barato para quem frequenta, por não pagar entrada e se pode comprar bebida muito mais barata nos camelôs ou levando de algum supermercado.

Os novos MCs de sucesso fazem menos apresentações e por vezes tem um cachê reduzido. Sua fama acaba por se limitar, em muitos casos, a uma ou duas músicas, em uma cena musical muito mais volátil.

Embora a vertente da ostentação não apareça mais na grande mídia como no ano passado, a força do funk continua sendo a principal trilha sonora da juventude que vive na periferia. Mas o que se vê agora é que, mais uma vez, ela está em rápida transformação e se identifica com outros MCs e letras de outros temas.

*Renato Barreiros é Produtor cultural e diretor do documentário Funk Ostentação