Luiza Erundina: "PSB está completamente desfigurado e sem identidade"

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina falou sobre as divergências sofridas pelo PSB e teceu críticas ao seu partido. Ela diz que não reconhece mais a legenda na qual se filiou em 1997, depois de deixar o PT. Segundo ela, o PSB está desfigurado e distante de seus compromissos originais. “O PSB faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária e ao mesmo tempo diz que vai apoiar o governo.”

Luiza Erundina

Na entrevista Erundina apontou: “O PSB está completamente desfigurado e sem identidade pelos erros todos que cometeu. Não é aquele partido para o qual eu fui em 1997. Nas eleições fez concessões a segmentos conservadores. Agora, faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária do Congresso ao mesmo tempo que diz que vai apoiar o governo Dilma em certas questões.”

Eleita com 177 mil votos para o quinto e último mandato à Câmara, Luiza Erundina, com 80 anos recém-completados, diz que é preciso ter consciência dos limites ao declarar que não participa mais de disputas eleitorais.

Erundina estabeleceu como prioridade para seu próximo mandato trabalhar pela reforma política, a democratização da comunicação do país e a punição para os violadores dos direitos humanos. A decisão de parar, ressalta, não significará um afastamento da política.

Nordestina de Uiraúna (PB) e oriunda do movimento sindical, a ex-prefeita de São Paulo foi uma das primeiras mulheres a participar ativamente da política no país. Sem o mandato daqui a quatro anos, promete manter a militância e o engajamento no avanço de reformas estruturais que permitam os mesmos direitos de cidadania a todos os brasileiros.

Segue abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: O que motivou sua decisão de não disputar mais eleições?

Luiza Erundina
: Já estou com bastante idade. Acho que a gente tem que ter consciência dos limites a partir de um certo momento da vida. Tudo tem começo e fim. Agora, o fato de eu não me candidatar mais não significa que vou me afastar da política.

Quais serão suas prioridades nestes próximos quatro anos?

Vou retomar questões que lido desde o primeiro mandato, em 1999, como a reforma política e a democratização da comunicações. Se não reformarmos a política de comunicação social do país mais distante estaremos das reformas estruturais. Tem que mudar o marco institucional. Ele está superado. O código brasileiro de telecomunicações é de 1962. Além disso, vou me dedicar ao resgate da verdade e da memória para que os crimes da ditadura militar não permaneçam impunes.

Desde que foi eleita pela primeira vez à Câmara, em 1998, a senhora participou de diversas comissões sobre reforma política. Ela pode ser aprovada finalmente?

No âmbito do Congresso não tenho expectativa. Em geral, os parlamentares fatiam a proposta, o que gera divergências sobre os mais variados temas, e não enfrentam o problema como um todo. Discutem remendos. O sistema, porém, continua carcomido. Os parlamentares não entendem ou não querem entender que a política faz parte de um sistema esgotado e obsoleto no que diz respeito às regras eleitorais, ao funcionamento dos partidos e do Estado e na relação entre poderes. Os desvios nas estatais por meio de financiamentos de campanha estão aí para provar que eles se dão por uma prática corrupta, viciada e nada republicana em que os partidos e as forças políticas são lenientes.

Qual seria a solução?

Uma constituinte exclusiva seria o meio mais eficaz para fazer a reforma, com os constituintes eleitos só para essa finalidade. Isso daria uma legitimidade ao processo e uma condição que jamais se teve. Antes é preciso fazer plebiscito para ver se as pessoas concordam com a ideia. O projeto que apresentei com esse objetivo está engavetado.

O PSB foi aliado do governo petista, depois virou oposição e lançou candidatura própria e por fim a maior parte do partido se uniu ao PSDB no segundo da eleição presidencial. Qual deve ser o caminho daqui para frente?

O PSB, primeiro, tem que voltar a ser socialista. Hoje, não é nada. Está completamente desfigurado e sem identidade pelos erros todos que cometeu. Não é aquele partido para o qual eu fui em 1997. Nas eleições fez concessões a segmentos conservadores. Agora, faz um jogo que se confunde com a direita mais reacionária do Congresso ao mesmo tempo que diz que vai apoiar o governo Dilma em certas questões. Essa dubiedade mostra que o PSB não tem um projeto para o país e, pior, está distante de se seus compromissos originais. Um partido não deve existir para disputar o poder a cada quatro anos, mas para propor soluções aos problemas estruturais do país.

Foi um erro ter candidato próprio?

Fazia todo sentido ter candidatura própria, não necessariamente com o cálculo de vitória eleitoral. Eduardo Campos era uma liderança política carismática, reconhecida e preparada. Não fazia sentido também que Marina Silva não fosse candidata com o acidente, já que ela era a vice. Só que ela não é do PSB. Entrou no partido para se viabilizar como candidata. Mas não tinha os mesmos compromissos do PSB. Tinha em comum um programa que foi construído junto com o Eduardo Campos e com o partido de certa forma, mas na defesa desse programa ela não deu conta.

Como enxergou o apoio ao PSDB no segundo turno?

Um absurdo. Por isso fiquei sem posição. Era melhor. O Campos dizia que deveríamos quebrar a polarização para ser a terceira força. Ao optar por um dos polos, você não só preserva a polarização, como fortalece um dos lados. O ideal era ter liberado os companheiros até pelas alianças regionais que foram feitas com PT e PSDB. Discordei da posição de Marina no segundo turno, especialmente da forma como se deu. Ela até colocou o emblema do outro candidato no peito.

A liderança de Campos faz falta neste momento?

Sim, mas um partido, sobretudo com pretensões socialistas, não pode depender de uma única figura. Isso reforça o personalismo e o caciquismo. Um partido deve ser um espaço de discussão política que suscite o surgimento de outras lideranças, que dê oportunidades para que outros pessoas possam aparecer e disputar de forma legítima os espaços de poder. Estamos na contramão disso.

Como a senhora vê protestos que defendem o impeachment de Dilma ou volta dos militares?

É um absurdo, fora de época. Não existe mais ambiente para isso, por mais que tenhamos crítica ao governo Dilma. A nossa incipiente democracia foi conquistada com perdas humanas. Além disso, a ditadura não acabou para muitos brasileiros. Ainda há resquícios, como torturas nas prisões e assassinatos de jovens nas periferias das grandes cidades. Essas manifestações mostram o atraso da nossa sociedade e o vazio dos partidos.

Fonte: Valor Econômico