A única mulher da praça

Mulher, poetisa, advogada, militante política, todas essas funções cabem a Ametista Nunes, que, ao cabo, nasceu para ser poeta. Baiana, de fala tranquila e muita disposta, Ametista “se descobriu” poetisa ainda na adolescência e de lá pra cá não parou, mesmo com todos os obstáculos impostos pela sociedade.

Ametista Nunes - Arquivo pessoal

“Todos nós nascemos poetas, mas a caminhada é que fica mais fácil ou mais difícil para uns e para outros impossível”, explica. Apesar da espontaneidade ao falar, Ametista é introspectiva no escrever, gosta “dessa coisa do pensar no mundo”.

A saga para “se tornar poeta” começou no auge da juventude, durante a Faculdade de Direito na Universidade Federal da Bahia, apesar de o gosto pela poesia já vir desde muito antes. Junto a outros estudantes, em meio à ditadura militar, Ametista integrou o grupo Movimento dos Novos Poetas, composto por aqueles que tinham inspiração e vontade, mas nenhum espaço para publicar.

“No começo a gente usava o mimeografo a álcool depois passamos usar o a óleo, primeiro a gente datilografava as poesias, não era igual hoje tudo por computador, e depois a gente ia atrás de uma escola que tivesse mimeografo para fazer as cópias”, conta. Apesar de todo o trabalho, os poetas não vacilavam, pois faziam da poesia a voz calada pela ditadura militar.

Mais tarde, com o fim da ditadura, os poetas criaram um novo coletivo chamado “Poetas na Praça”, o qual Ametista era a única mulher. Então os amigos brincavam que ela era “a única mulher na praça”. Esse já teve uma repercussão nacional e muitos outros poetas puderam dar voz a seus poemas.

Depois dos coletivos, que impulsionaram a dedicação de Ametista à poesia, ela passou a realizar recitais, saraus literários e outros projetos para divulgar seu trabalho. O livro Meu Grito, foi lançado em 1980 com o apoio do pai da poetisa, e de lá pra cá ela teve seus trabalhos publicados em diversas coletâneas.

Recentemente Ametista foi indicada para receber “Prêmio Excelência Cultural – ABD”, da Associação Brasileira de Desenhos e Artes Visuais.

Confira os poemas de Ametista Nunes:

Prestação de contas

Eu direi
Aos meus filhos
Que minhas mãos envelheceram
Sempre capazes de prestar ajuda.

Eu direi
Aos meus filhos
Que as rugas que marcaram o meu rosto
Sempre repudiaram a injustiça.

Eu direi
Aos meus filhos
Que as minhas pernas cansadas
Sempre trilharam o fazer.

Eu direi
Aos meus filhos
Que o meu coração cansado
Nunca deixou de pulsar amor.

Eu direi
Aos meus filhos
Que os meus olhos nublados
Sempre aprenderam a esperança.

Eu direi
Aos meus filhos
Com voz rouca mas tranquila
Que fiz o que pude/ não me guardei!

Brasil

Brasil
terra onde nasci…

Brasil
terra onde cresci…

Brasil
terra onde aprendi…

A ter muito medo
a ter grande medo
a ter imenso medo
das botas
que pisam comigo
o mesmo chão…

A ter muito ódio
A ter grande ódio
A ter imenso ódio
do soldado
que sente comigo
a mesma dor!

Coisificada

Ofereço-me em sacrifício
ao santo mercado…

Ofereço
a minha face desiludida
meus peitos expostos
meu ventre bronzeado
meus cabelos chapados
rafiados
meu corpo
Inflado
tatuado
modelado…

Ofereço-me
por qualquer moeda
ao santíssimo mercado … …

Ofereço
a minha desrazão
a minha alienação
a minha estupidez
a minha banalização…

Ofereço
O meu sonho de consumo
por qualquer proposta
de plano de pagamento…
Ofereço
a minha imagem programada…

Ofereço –me
Ofereço-me
ofereço-me coisificada…

Ofereço
em sacrifício
ao santíssimo mercado
a minha humanidade destroçada!

Do Portal Vermelho,
Mariana Serafini