Pequenos agricultores terão incentivos para produção orgânica 

Em Arataca, no sul da Bahia, é feito o "chocolate rebelde". Produzido por 55 famílias em um assentamento do Movimento Sem Terra localizado em meio a grandes propriedades exportadoras de cacau, o chocolate Terra Vista levou oito anos para ganhar a certificação de "orgânico", que indica um cultivo sem agrotóxicos e com técnicas sustentáveis.

Agricultura - Reprodução

O longo e penoso período dificulta, e pode até inviabilizar, a criação de novos produtos orgânicos para o mercado brasileiro, especialmente no caso de pequenos produtores.

“Nosso processo de certificação foi difícil porque a consultoria foi muito cara pra nós", diz Joelson Ferreira de Oliveira, representante do assentamento Terra Vista, onde é feito o chocolate de mesmo nome. "Nós precisamos de uma certificação mais democrática pra colocar a produção orgânica no mercado”, afirma.

Hoje, quem quiser produzir e vender qualquer alimento como orgânico precisa, segundo a Lei de 10.831/2003, comprovar que não foram usados adubos sintéticos, agrotóxicos ou sementes transgênicas no cultivo. Precisa provar, também, respeito a leis trabalhistas dos empregados envolvidos no processo, entre outras exigências. Há, ainda, uma taxa de cadastramento por produto, que varia de acordo com a auditoria contratada. Juntam-se à toda burocracia regulatória outros entraves, como cooperativas mal articuladas e produtividade insuficiente, que fazem a agricultura orgânica e ecológica parecer não compatível com a demanda atual por alimentos. O preço e a disponibilidade destes produtos são os principais pontos que dificultam a adesão dos consumidores aos orgânicos.

Para contornar essa situação, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) prepara para 2015 o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Segundo o secretário nacional de Agricultura Familiar, Valter Bianchini, o Planapo propõe uma série de medidas que facilitarão a produção agrícola dos pequenos agricultores ao oferecer linhas de créditos e cadastro mais simples da produção como orgânica. “A ideia é consolidar a agricultura orgânica no âmbito da agricultura familiar", diz. "O que queremos mostrar é que é possível fazer a transição desse modelo único da agricultura mais intensiva em insumos, com uso de agrotóxicos, para uma agricultura mais sustentável, seguindo os preceitos da agroecologia”, afirma. A agroecologia consiste em técnicas de cultivo sustentáveis, sem desmatamento de áreas verdes originais, com uso racional de água e terra e abolição de agrotóxico e transgênicos.

Segundo Bianchinni, o plano promoverá a certificação de milhares de propriedades relacionadas ao cultivo orgânico. Hoje há, segundo o Ministério da Agricultura, 6,7 mil produtores orgânicos regularizados. “A gente reconhece a possibilidade de ir a 150 mil agricultores, agroecológicos e orgânicos, ou em transição. Queremos avançar nessa certificação para pelo menos mais 50 mil propriedades", afirma. "O que o Planapo pretende é sair dessa agricultura de nicho, no entorno metropolitano, de feiras diretas, e reconhecer toda gente que tem trabalhado com agroecologia. Com isso, mostrar que outro modelo de segurança alimentar e de agricultura é possível.”

O agronegócio, que muitas vezes se apresenta como principal via moderna e rentável da agricultura, não pode ser considerado a única solução para as questões que envolvem a segurança alimentar, segundo Bianchini. “O termo agronegócio se referia ao volume de recursos que movimenta a agricultura e a agroindústria. Como setores conservadores começaram a usar o termo para agregar importância à prática, ela acabou se designando como o único modelo de agricultura, mas não quer dizer você não tenha um outro modelo, que também constitua negócios importantes e que movimente um número grande de agricultores.”

O aprimoramento e a desmistificação da agroecologia no âmbito da agricultura familiar podem ser muito positivos para a sociedade, diz Bianchini. “A agroecologia não se esquece da sua dimensão econômica, mas também liga a dimensão econômica às dimensões ambiental, cultural e social”.

Apesar do entusiasmo com a agroecologia, o secretário concorda que a realidade é outra, pois a produtividade dos orgânicos ainda é muito distante da do agronegócio. Mesmo assim, a agricultura familiar tem grande importância para o abastecimentos dos mercados brasileiros. “Ocupando aproximadamente 25% da área agricultável do País, o modelo familiar ainda corresponde a 38% da produção gerada no Brasil. Para leite, é mais de 50%, além de mandioca, mel e alguns outros que são produzidos mais do que na grande agricultura. A complexidade dos processos de cultivo desses alimentos não é respondida pela modelo de agricultura patronal”, diz. No Brasil, de 5,1 milhões de propriedade rurais, 4,3 mi são de agricultura familiar, com 12 milhões de trabalhadores.

O secretário também atenta para a segurança dos alimentos cultivados organicamente. “Estudos ainda não mostram os impactos que as modificações genéticas têm. Ninguém quer vetar essa discussão da ciência ter chegando à alteração de genes e, futuramente, colocar o melhor à sua sociedade. Mas a pressa com que os oligopólios querem colocar esses produtos no mercado nos dá muita insegurança.”

A diversidade, que ajuda a preservar espécies, fica comprometida com a monocultura. “Não podemos depender de duas, três variedades na agricultura. O modelo agroexportador leva você a trabalhar uma agricultura de muito risco, ao escolher apenas uma única variedade. A agroecologia promove, para a sociedade, alimentos mais saudáveis e um equilíbrio maior entre a cidade e o campo, garantindo qualidade de vida em ambos os espaços, além da agrobiodiversidade. Não tenho dúvidas de que para a sociedade esse modelo de agricultura é melhor.”

Fonte: Carta Capital