PF encontra Camarão, o vigia da Casa da Morte do regime militar

O grupo de trabalho do Ministério Público Federal Justiça de Transição, responsável pela investigação de crimes praticados pela ditadura militar, encontrou o carcereiro conhecido como Camarão, da Casa da Morte de Petrópolis, um dos centros de tortura mais bárbaros do regime. Ele estava no interior do Cearáe foi levado para prestar depoimento.

Vigia da Casa de Morte de Petropolis Camarão - Reprodução

Agora identificado como Antonio Waneir Pinheiro Lima, o Camarão é soldado reformado do Exército e era procurado há dois meses. Em depoimento na Polícia Federal de Fortaleza, ele confessou ter atuado como “vigia da casa”, mas disse desconhecer o que se passava dentro do imóvel.

Mas o testemunho de Inês Etienne Romeu, única presa política que conseguiu sair com vida da casa, e que o reconheceu pela foto antiga, revela o contrário. Depoimento escrito por ela ainda no hospital, em 1971, e entregue à OAB em 1979, quando ela terminou de cumprir pena imposta pelo regime militar, revelou a localização da casa e identificou alguns dos agentes que atuavam no local, entre os quais, Camarão.

Militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), mesma organização que a Dilma Rousseff integrava, Inês ficou na casa de Petrópolis entre maio e setembro de 1971. Nesse período, sofreu torturas físicas e psicológicas chegando a ser “estuprada duas vezes por Camarão, obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”. Inês só conseguiu sair com vida da casa porque prometeu aos torturadores que se tornaria uma infiltrada, o que não aconteceu.

A Casa da Morte era comandada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) para funcionar como um cárcere clandestino destinado a presos políticos considerados ‘especiais’, como lideranças de grupos da esquerda. Segundo levantamento, pelo menos 20 pessoas foram executadas no local, mas não existem números oficiais sobre isso.

Graças ao depoimento de Inês, única presa política que conseguiu sair com vida da casa, foi possível identificar Camarão

No depoimento feito por Inês, hoje uma das colaboradoras da Comissão da Verdade, ela afirma que uma dessas vítimas foi Carlos Alberto Soares de Freitas, o “Breno”, dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e da VPR.
 
 

No depoimento, Inês descreveu Camarão como um homem baixo, claro, natural do Ceará. “Sua família reside em Fortaleza. Seu nome real é Wantuir ou Wantuil. É do Exército e fez parte da segurança pessoal do presidente João Goulart”, contou ela.

A Casa da Morte só foi descoberta em 1981, a partir do número de telefone memorizado por Inês e transcrito no depoimento. Em entrevista ao jornal O Globo, em 2012, o tenente-coronel da reserva Paulo Malhães, conhecido como agente “Pablo”, confessou ter sido o responsável pela implantação da casa de tortura que chamou de “centro de conveniência”.

Malhães admitiu que o CIE matava e desaparecia com os corpos de presos políticos. Para evitar a identificação, os torturadores, segundo ele, arrancavam os dedos e as arcadas dentárias de suas vítimas.

Num desses depoimentos, ele cita Camarão e diz que ele foi transferido da Brigada Paraquedista para o CIE em 1969, quando o centro fez um recrutamento de agentes nessa tropa de elite do Exército. Disse ainda que, na ocasião do recrutamento, o soldado cuidava do chiqueiro da unidade, pois tinha se envolvido com bebida e estava impedido de saltar de paraquedas.

Com o fim do regime, Camarão contou com a ajuda de amigos como Malhães que garantiu um emprego como segurança de uma empresa de ônibus em Nilópolis (Baixada Fluminense). Em 2004 foi preso em Araruama, na região dos Lagos também no Rio de Janeiro, por dar quatro tiros no músico Lúcio Francisco do Nascimento, do grupo Molejo, após uma discussão. Ficou preso por um mês, mas foi absolvido pelo Tribunal do Júri da cidade.

Este ano, com o avanço das investigações da Comissão da Verdade e as ações promovidas pelo Ministério Público Federal, decidiu fugir para Tauá, no Ceará, onde foi encontrado. Depois de depor, Camarão foi liberado.

Fonte: O Globo