Francy Silva: Calça jeans, geladeira e por que voto em Dilma

No início da minha adolescência, participei de um grupo de jovens da Igreja Católica. Numa certa ocasião, fomos informadas de que teria um encontro de jovens católicos em uma cidade próxima e participaríamos desse evento. Meu coração se encheu de alegria, pela primeira vez iria fazer uma viagem para outra cidade, onde teria a oportunidade de conhecer pessoas de diferentes lugares.

Por Francy Silva, especial para o Portal Vermelho

A candidata Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, durante ato político na cidade de Goiana, em Pernambuco

A minha empolgação diminuiu quando nos avisaram que para irmos ao encontro, teríamos de comprar a camisa do evento. Essa informação caiu como um balde de água gelada na minha alegria juvenil, minha família vivia com muita dificuldade, meu pai era trabalhador rural assalariado e a minha mãe uma simples dona de casa.

O pequeno salário que o meu pai recebia era para o sustento da família composta por oito pessoas. A prioridade era colocar comida na mesa e pagar as contas da casa, raramente sobrava dinheiro pra outra coisa. Por mais barato que fosse a camisa, não caberia no nosso orçamento sempre apertado.

Com muita tristeza, expliquei a situação para as integrantes do grupo, e desisti de fazer a viagem. Faltando três dias para o encontro, uma das meninas me emprestou a camisa que havia comprado, pois tinha desistido de ir ao evento. Mais uma vez o meu coração se encheu de felicidade. No entanto, naquele mesmo dia, fui informada de que para participar do encontro era necessário ir com a blusa do evento e de calça jeans. Eu não tinha uma calça jeans.

Tentei conseguir emprestada com algumas primas, mas elas também não tinham. Fiquei com vergonha de pedir para as meninas do grupo, inventei uma desculpa qualquer, e disse que não poderia mais fazer a viagem. Chegou o dia do encontro, e eu não estava lá, esse foi um dos dias mais tristes da minha vida, chorei escondida por muitas horas, e jurei que quando crescesse teria um guarda-roupa cheinho de calças jeans.
Os tempos eram difíceis…

Nessa época, o Brasil era governado por Fernando Henrique Cardoso, presidente reeleito do PSDB. Os jornais falavam no controle da inflação, mas o salário que o meu pai ganhava não dava pra comprar quase nada, sempre faltava alguma coisa. Tínhamos vontade de comer carne, mas esse era um produto de luxo, caro demais para a família de um trabalhador assalariado. Enquanto eu sonhava com uma calça jeans, minha mãe sonhava com uma geladeira, e o meu pai evangélico, sonhava em ter um terno para ir aos cultos na igreja.

Alguns anos se passaram desde o fatídico episódio da calça jeans…

Em 2002, quando Lula se candidatou ao governo, eu estava terminando o Ensino Médio. Eu estudava pela tarde, e trabalhava de manhã e de noite como atendente em um mercadinho da cidade, recebendo a metade de um salário mínimo. O dinheiro era pouco, mas dava para comprar algumas roupas, materiais escolares, e ainda ajudar em casa. Mesmo tendo que conciliar trabalho e estudos, me destacava sempre como uma das melhores alunas da sala.

Os professores elogiavam o meu desempenho nas aulas e diziam que eu passaria facilmente no vestibular. No entanto, por mais esforço que fizesse, passar em um vestibular não era uma tarefa tão fácil para uma estudante de escola pública… Era muito raro algum (a) aluno (a) da minha escola conseguir uma vaga na universidade na pública. Aquele mundo era quase inacessível, especialmente, para meninas negras e pobres como eu.

Em outubro de 2002, Lula foi eleito o novo presidente do Brasil. Nesse mesmo ano, eu terminei o Ensino Médio, mas não pude me inscrever no vestibular, a inscrição era muito cara. Nessa época, eu tinha uma calça jeans, minha mãe, grávida do meu irmão mais novo, continuava sonhando em ter uma geladeira, e o meu pai sonhava com um terno para ir à igreja.

Um mês depois da eleição, minha mãe deu a luz ao meu irmão mais novo. Em 2003, quando ele completou o seu primeiro aniversário, Lula estava há menos de um ano no governo, mas, de algum modo, a nossa vida já começava a mudar. Meu pequeno irmão foi o primeiro, entre os oito filhos, a ter uma festa no seu primeiro aniversário. Os meus pais ficaram radiantes diante daquele grande acontecimento.

A partir de então, tudo começou a melhorar para nós. Com o auxílio do Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo, a nossa mesa foi ficando mais farta, e já podíamos comer carne quase todos os dias. As minhas irmãs mais novas podiam escolher o material escolar, com direito a caderno com adesivos e capa dura, a nossa casa foi ficando mais bonita.

No final de 2004, a minha mãe conseguiu comprar a sua tão sonhada geladeira. Eu continuava trabalhando para ajudar em casa, e já tinha mais de uma calça jeans.

Em 2006, ano em que Lula foi reeleito, fiz o vestibular para o curso de Letras, na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, e passei em uma excelente classificação. Ingressei na universidade três anos depois de ter terminado o Magistério, sendo a primeira pessoa da minha família paterna e materna a conseguir uma vaga no Ensino Superior.

Estudava de noite e trabalhava durante o dia, dando aula para turmas do Ensino Fundamental e Médio. Incentivava os meus alunos a tentarem o vestibular, pois percebia que o acesso à educação superior estava se tornando mais fácil, a universidade começava a se pintar de povo.

Com o meu novo trabalho, podia contribuir mais com as despesas da casa. O meu pai continuava trabalhando na zona rural, recebendo salário mínimo, e a minha mãe fazia alguns trabalhos autônomos. Com a política de valorização do salário mínimo e o controle da inflação, a nossa cesta básica ia ficando cada dia mais variada, conseguíamos comprar produtos que antes jamais pensaríamos em comprar. Meu irmãozinho tinha festa de aniversário quase todo ano. A nossa vida estava melhorando a olhos vistos, não só a da minha família, mas de todos os meus vizinhos. As políticas sociais do governo Lula nos permitiam viver com mais dignidade.
No ano de 2008, o meu pai realizou o sonho de comprar um terno do jeitinho que ele queria.

Em 2010, ano em que terminei a minha graduação, Dilma foi eleita a nova presidenta do Brasil. No dia da formatura fiz o discurso de oradora da turma, reafirmando o compromisso de nós, professores e professoras graduados, contribuirmos para a construção de um país melhor. No auditório lotado, os meus pais vibravam, orgulhosos da filha, que ganhava o primeiro diploma da família. Eu me transformava em uma jovem professora licenciada, cheia de vontade de mudar o mundo, enquanto Dilma, a primeira mulher eleita presidenta do Brasil, assumia o governo com a promessa de continuar mudando o nosso país.

Com Dilma no governo, dando continuidade as mudanças iniciadas por Lula, a vida da minha família está ainda melhor. Minha mãe conseguiu reformar a cozinha da nossa casa, uma das minhas irmãs conseguiu bolsa integral pelo Prouni, e está cursando Comunicação Social, minha irmã mais velha conseguiu construir a sua casa tão sonhada, um dos meus irmãos conseguiu comprar um carro, minha irmã mais nova está estudando para o Enem, e se tudo der certo, entrará na universidade no próximo ano. Em nossa mesa a comida é farta, minha mãe trocou de geladeira, e o meu pai comprou mais um terno.

Em 2012, mudei de cidade para cursar o mestrado na UFV. Em 2014, comecei o doutorado na PUC Minas. Daqui a algum tempo, meu pai, Ramiro Félix da Silva, que nunca frequentou a escola, e a minha mãe, Luciene Maria da Conceição Silva, que só estudou até a segunda série, terão uma filha doutora. Na minha casa nova, tenho um armário cheio de roupas, dentre elas, algumas calças jeans.

Meu irmão mais novo, que completará 12 anos em novembro desse ano, o mesmo tempo que o PT está no governo, cresceu em meio aos tempos de bonança. Nunca lhe faltou brinquedos, materiais escolares, boa comida no prato. Nesse aniversário de 12 anos, ele quer ganhar um tablet. Na minha infância nunca ganhei presente de aniversário ou Natal, e jamais desejei um presente tão caro, seria pretensioso demais; mas os tempos são outros, meu irmão sonha em ter um tablet, pois sabe que é um sonho possível.

O meu voto em Dilma é para que o meu pequeno irmão continue sonhando, e para que os seus sonhos se realizem. O meu voto em Dilma é por cada criança que deixou de morrer de desnutrição, graças ao Bolsa Família, e hoje está na escola.

O meu voto em Dilma é por cada adolescente que trocou o mundo das drogas por uma cadeira nos cursos oferecidos pelo Pronatec.

O meu voto em Dilma é por cada jovem que conquistou o primeiro diploma da sua família.

O meu voto em Dilma é por cada mãe que contempla, com os olha brilhando, os seus filhos comendo em uma mesa farta.

O meu voto em Dilma é por cada criança e jovem que, pela primeira vez, pode dormir em seu próprio quarto.

O meu voto em Dilma é por cada família que realizou o sonho de ter a casa própria.

O meu voto é Dilma é pelas pessoas que puderam fazer a sua primeira viagem de avião.

O meu voto em Dilma é por todos os brasileiros e brasileiras que saíram da pobreza e entraram na classe média.

O meu voto em Dilma é pelo meu doutorado, pela geladeira da minha mãe, pelo terno do meu pai, pela realização dos sonhos das minhas irmãs e dos meus irmãos.

O meu voto em Dilma é para que o Brasil continue avançando, e para que mais nenhuma menina volte a chorar por não ter uma calça jeans.

*Baiana, atualmente cursa Doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa na PUC Minas. Filiada há alguns anos da UJS.