A destruição dos marcos de uma cidade na Oca

Mais de 200 fotos do acervo da Casa da Imagem, realizadas entre 1862 e 1972, recriam conexão entre São Paulo e seus habitantes. A exposição Memória Mutante pode ser visitada de terça-feira a domingo das 9h às 17h no parque Ibirapuera.

A demolição do Belverdere Trianon (1957) - Coleção de Fotografia Iconográfica do Museu da Cidade de São Paulo

Nos últimos três anos, Henrique Siqueira e Monica Caldiron têm percorrido o acervo da Casa da Imagem para compreender a conexão entre os principais fotógrafos de São Paulo ali representados. Os curadores de cerca de 130 mil imagens digitalizadas descobriram a partir do pioneiro Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) um olhar atento ao princípio motivador da urbanização paulistana, que é o de “destruir para construir sobre”. Desde que passou a receber as migrações, na segunda metade do século XIX, São Paulo pareceu destinada a fechar os olhos aos espaços livres rumo a elevar-se, hierarquizar-se.

Como observa Siqueira, quando essa lógica de sobreposição apaga a antiga arquitetura, destrói as marcas da rua e compromete a identificação do morador com a cidade. Eis por que as 210 imagens selecionadas para a exposição, realizadas entre 1862, quando a urbanização inicia a arrancada, e 1972, no momento em que os espaços se abrem para as marginais, procuram justamente refazer a cidade diante de seus habitantes. A exposição Memória Mutante, explica Siqueira, só poderia dar-se naquele primeiro andar da Oca. O amplo cinturão, além de possibilitar a visualização do grande número de fotos, sugere a circularidade, a eterna atualização de um violento pensamento urbanístico.

São fotógrafos das linhas e das geometrias da luz aqueles que registram a ação dos construtores dessas novas pirâmides urbanas. De Militão a Aurelio Becherini, passando por Ivo Justino e Chico Vizzoni, a cidade é vista eminentemente a partir de cima, entrelaçada de concreto, resumida a desenhos distantes de novas avenidas ou a pátios fechados de convivência, como aquele visto por Benedito Junqueira Duarte na Rua Japurá, em 1942. Ao nível do chão, as construções são ora verticalmente inacessíveis, ora se prestam à ruína, como registra autor desconhecido no Belvedere Trianon, em 1957.

Por Rosane Pavan, na Carta Capital