Exploração deixa rastro de contaminação e morte na Amazônia

O derramamento de resíduos de petróleo nas águas dos rios Marañón, Corrientes, Pastaza e Tigre e na floresta amazônica peruana está produzindo consequências fatais para as populações locais, em sua maioria da etnia kukama. Os responsáveis são conhecidas empresas petroleiras, mas as autoridades peruanas têm se movimentado com gravíssima e culpável demora. Há anos as vítimas protestam contra a contaminação e a violência, mas o negócio do petróleo sempre teve domínio sobre a situação.

petroleo peru amazônia - Reprodução

"Pertenço ao grupo indígena kukama. Um dia meu pai saiu para pescar. Na volta só trouxe dois pescados. Meus irmãos e eu perguntamos o que havia acontecido, porque ele sempre trazia fatura. Recordo que disse algo sobre derramamentos de petróleo que estão sujando o rio. Disse que por esse motivo os peixes estão doentes, que não podemos comê-los. Também disse que não podíamos tomar banho no rio porque se o fizéssemos iríamos adoecer. Escrevo para que faça algo, porque somos crianças que queremos viver”.

Esta é a carta que escreveu Alexander Ricopa Fasabi, um menino de 9 anos, da localidade kukama de Santa Clara, no Departamento de Loreto, às margens do rio Marañón, ao presidente peruano Ollanta Humala e à sua esposa Nadine Heredia, e que juntamente com dezenas de outras crianças indígenas querem chamar a atenção sobre a situação de sua comunidade.

O protesto dos menores tem sido uma nova e desesperada tentativa dos kukama para poder serem escutados pelas autoridades políticas. A iniciativa foi idealizada por Miguel Ángel Cadenas e Manolo Berjón, dois incansáveis sacerdotes augustinos espanhóis que vivem entre os kukama na localidade de Santa Rita de Castilla e que há anos lutam de corpo e alma pelos direitos vulnerados desse povo. Desenvolvem suas ações em estreita colaboração com a Associação Cocama de Desenvolvimento e Conservação San Pablo de Tipishca (Acodescospat), que faz parte da organização Povos Indígenas Amazônicos Unidos em Defesa de seus Territórios (Puinamudt).

Emergência ambiental

A situação é insustentável: a contaminação no norte da Amazônia peruana tem colocado em perigo a vida material — mas também espiritual — das comunidades indígenas. Durante 2013 foram declaradas em emergência ambiental, uma após outra, as bacias dos rios Pastaza, Corrientes e Tigre. Por último, em maio passado, o governo peruano declarou estado de emergência ambiental e sanitária também na zona do baixo Marañón. Todas essas são decisões tomadas com vergonhosa demora a respeito das ocorrências, da magnitude dos danos e das denúncias.

A exploração petroleira nessa parte da Amazônia peruana foi iniciada em 1971. Um oleoduto de mais de 16 quilômetros atravessa a floresta e territórios indígenas, transportando a cada dia milhares de barris de petróleo. Como se trata de uma estrutura com mais de 40 anos de antiguidade, já mostra o sinal dos anos: as tubulações estão muito deterioradas e as conexões precárias. Se há algum tempo os derramamentos de petróleo aconteciam nas imediações dos poços de perfuração, agora são cada vez mais frequentes e consistentes ao longo do oleoduto. Apenas nos últimos cinco anos, foram documentados mais de 100, de acordo com a Aliança Arkana, organização internacional defensora dos povos amazônicos.

Ademais desses vazamentos de óleo cru, nos rios são produzidos derramamentos — eram a norma até pelo menos 2009 — das chamadas "águas de produção”. Tratam-se de águas muito quentes (de 80º a 90º), salgadas e contaminadas com petróleo, metais pesados (mercúrio, cádmio, bário, chumbo, arsênico, etc.) e elementos radioativos. As consequências dos vazamentos e derramamentos são devastadoras para a flora, a fauna e as populações. Expostas à contaminação cotidiana, as pessoas contraem enfermidades muito diversas, algumas graves ou mortais como tumores, insuficiência renal e danos ao sistema nervoso.

Empresa contaminadora

O responsável por todo isso é conhecido: se chama Pluspetrol Norte, empresa pertencente ao grupo petroleiro argentino Pluspetrol. Opera nos lotes 1AB (explorado pela petroleira estadunidense Occidental Petroleum até o ano 2000) e 8 (pertencente à estatal Petroperu até 1996 e, por sua vez, dividido em cinco lotes separados menores). Os lotes ocupam as bacias dos rios Corrientes, Tigre, Pastaza e Marañón, e parte da Reserva Nacional Pacaya-Samiria (lote 8X). Hoje em dia, as águas desses rios estão altamente contaminadas, assim como vastos territórios da reserva. Alguns locais inclusive desapareceram, como a lagoa Shanshococha, que se encontrava nas imediações do lote 1AB.

A empresa se defende afirmando que os vazamentos do oleoduto são causadas por atos de sabotagem e vandalismo perpetrados por pessoas pertencentes a comunidades indígenas, negando as condições desastrosas em que se encontram as tubulações. Quanto às "águas de produção”, há alguns anos, — assinala a empresa petroleira — são reinjetadas no subsolo. Entretanto, é preciso recordar que, há mais de uma década, a Pluspetrol derrama em quatro rios amazônicos — todos afluentes do rio Amazonas — até 1,1 milhão de barris de água de produção por dia. Por último, a empresa petroleira acusa suas predecessoras Occidental Petroleum e Petroperu pelos danos nos sítios ambientais. Isso em parte é verdade, mas — afirmam as associações indígenas — ao assumir as concessões a Pluspetrol também assumiu a responsabilidade de reparar os danos prévios.

O temor mais difundido é que a contaminação seja demasiado grave e que, para recuperar um mínimo de equilíbrio no ecossistema, sejam necessárias décadas, se não gerações. Enquanto isso, observam Cadenas e Berjón, a comunidade kukama vive na violência, tanto externa (enfrentamentos com o Estado e as empresas), mas também interna (embriaguez, violência doméstica, suicídios).

"Trabalhando em harmonia com o meio ambiente e a comunidade”, diz a propaganda distribuída pela Pluspetrol. Uma piada que faria qualquer um rir, mas não a empresa petroleira argentina e as autoridades políticas que têm lhe protegido até há pouco.

Fonte: Adital