Lewandowski: Juízes não devem se deixar influenciar pela mídia

Às vésperas de completar um mês à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski escolheu novo momento simbólico para marcar o período de transição na máxima Corte. O ministro compareceu nesta segunda-feira (1º) em São Paulo ao ato de entrega do título de doutor honoris causa ao jurista Claus Roxin, autor da Teoria do Domínio do Fato, e teceu críticas ao que considera uma aplicação indevida das ideias do professor alemão no julgamento da Ação Penal 470.

Barbosa derruba decisão de Lewandowski sobre trabalho externo de Dirceu

"A teoria do Domínio do Fato não pode ser empregada no regime democrático. Não pode ser empregada para uma organização que esteja atuando dentro da lei", disse Lewandowski durante ato organizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Só pode ser utilizada num momento de exceção ou para organizações criminosas que atuem à margem da ordem jurídica. Não basta supor que alguém tinha ciência do delito cometido."

Ao longo do primeiro mês de aposentadoria de Joaquim Barbosa, Lewandowski tem enviado sinais de como será sua gestão à frente do Supremo. Até aqui tem mantido perfil mais discreto, com raras entrevistas, no geral sem citações diretas ao antecessor. A montagem da pauta do pleno do Supremo também tem obedecido a critérios diferentes: em vez de casos de alta repercussão político-partidária, Lewandowski tem privilegiado as chamadas ações de repercussão geral, aquelas que motivam um elevado número de ações em âmbito nacional e que mexem com a vida de milhares – ou até milhões – de pessoas. A ideia é firmar jurisprudência que crie uma linha de atuação para acelerar os julgamentos de processos do mesmo tipo em instâncias inferiores.

A ida ao evento em homenagem a Roxin constituiu novo momento simbólico na gestão do presidente do Supremo, que em raras oportunidades comentou publicamente o julgamento do "mensalão", menos ainda com a ênfase que deu à ação durante seu discurso de hoje, com 16 minutos.

Enquanto Barbosa ainda era o chefe do Judiciário, Lewandowski chegou a dizer que o bom juiz se manifesta pelos autos, e não pela imprensa. Agora, escolheu uma conversa com estudantes para manifestar discordância em relação ao que ocorreu ao longo dos últimos dois anos na Corte. Barbosa se valeu da Teoria do Domínio do Fato para alegar que o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, era automaticamente culpado pelos atos de corrupção ocorridos nas relações entre o governo e o Legislativo. Ainda que não existissem provas materiais, afirmou o então presidente do Supremo, poderia ser suposto o conhecimento de Dirceu a respeito do caso.

Ao passar pelo Brasil, no ano passado, Roxin afirmou que a aplicação da teoria não dispensava a apresentação de provas, exposição que foi retomada por Lewandowski. "Sua Excelência", afirmou o ministro do Supremo, dirigindo-se ao alemão, "disse com todas as letras, de forma enfática: que a aplicação da teoria do Domínio do Fato exige, sim, a prova cabal de que o mandante tenha ordenado os crimes."

O presidente do Supremo fez menção ainda a outra teoria defendida por Roxin, a respeito do objetivo da condenação penal. Lewandowski afirmou que o alemão deu uma grande contribuição ao dizer que Direito e moral não devem ser confundidos, o que significa que aquilo que ocorre no foro íntimo do réu não interessa ao julgador. "A pena no Direito criminal não tem caráter retributivo, não é uma retribuição que a sociedade faz a alguém que produziu o mal, seja do ponto de vista moral ou apenas no aspecto penal. A pena deve ser sempre preventiva, ela deve buscar evitar o crime, mas sempre no limite da culpabilidade do agente. Este é um conceito absolutamente fundamental", disse.

Trata-se de mais uma referência ao julgamento do "mensalão". Na fase de dosimetria, ou seja, de cálculo das penas dos réus, Lewandowski manteve embate público com Barbosa por considerar que os tempos de prisão impostos aos condenados eram excessivos, firmados com base em critérios que extrapolavam os limites impostos pela legislação. À época, Barbosa respondeu que era preciso transformar a Ação Penal 470 em um símbolo, dando uma lição à classe política brasileira.

Ao final de seu discurso, Lewandowski afirmou ainda ver com otimismo que Roxin agora esteja se dedicando a estudar as relações entre pressões midiáticas e o trabalho de magistrados. Desta vez sem fazer referência direta ao julgamento do "mensalão", o ministro do Supremo afirmou que esta é uma questão que deve preocupar a todos. "Entendendo Sua Excelência que o juiz não pode e não deve se curvar à opinião pública, à opinião das ruas. O juiz deve ser absolutamente imparcial e julgar com base nos autos."

O ato no Mackenzie também serviu como desagravo ao novo presidente do Supremo, que durante o julgamento do "mensalão" foi muito criticado por defender a absolvição de alguns dos réus, chegando a sofrer constrangimentos em plenário e por meio da imprensa, a ponto de haver suposições sobre a compra de seu voto pelo PT.

O passar dos meses levou parte da comunidade jurídica a se posicionar ao lado de Lewandowski, e mesmo dentro do Supremo houve uma alteração na interpretação do relatório de Barbosa, o que levou a que alguns réus fossem absolvidos do crime de formação de quadrilha. Dois dos defensores mais surpreendentes da postura de Lewandowski são professores antigos do Mackenzie, os juristas Cláudio Lembo (PSD, vice-governador de São Paulo entre 2003 e 2006 e governador em exercício entre 2006 e 2007) e Ives Gandra da Silva Martins, jurista conhecido por suas posições políticas conservadoras.

De linhas de pensamento conservadoras do ponto de vista político, os dois saíram em defesa da visão defendida pelo revisor da Ação Penal 470 por entenderem que, do ponto de vista jurídico, há uma série de violações que poderiam abrir espaço a condenações arbitrárias em todas as instâncias, já que juízes passariam a ter o direito de se valer de suposições para sentenciar réus.

Hoje, os dois foram convidados a entregar uma homenagem da universidade a Lewandowski. Em breve discurso, Ives Gandra afirmou admirar a coragem do novo presidente do Supremo de não ceder a pressões e de exercer a magistratura como um sacerdócio. "O Direito tem de ser interpretado em função de um ideal de justiça, mas também dentro dos limites que a legislação e o sistema de um país colocam. O ministro Lewandowski demonstrou, num dos momentos mais difíceis da história do Supremo, quando se discutia, e todos os jornais procuravam soluções mais politicas do que jurídicas, não transigir em suas convicções."

Também Cláudio Lembo afirmou que Lewandowski soube evitar que a emoção superasse o Direito e que, embora cada um tenha uma consciência cívica, não se pode cometer violações em nome de determinados valores. "Ele soube superar as angústias e as emoções, e ao mesmo tempo conseguiu conduzir seu pensamento, seu voto, de acordo com o que acredita."

Fonte: Brasil 247