Teatros de rua se mobilizam contra especulação imobiliária em SP

Na última quarta-feira (27), o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos organizou uma reunião para refletir a valorização artística e a clara disputa pelo espaço da cidade de São Paulo, que vem sendo privatizado pela especulação imobiliária. O grupo, semelhante a tantos outros, sofre pela ameaça de despejo de sua sede. São mais de oito anos de atividade no bairro paulistano da Pompeia. Orlando Silva, candidato a deputado federal pelo PCdoB, participou da reunião .

Orlando SIlva

A especulação imobiliária, fruto da pressão do capital, bateu às portas de conceituados e tradicionais grupos de teatro. O exemplo da casa de cinema Cine Belas Artes – que reabriu no último mês após mobilização popular e tombamento de sua fachada – ecoa também nos teatros de rua, que sobrevivem com dificuldade na cidade de São Paulo devido à alta do aluguel e outros custos extras.

Orlando Silva, candidato a deputado federal pelo PCdoB, participou da reunião e defendeu a criação de zonas de preservação cultural em São Paulo como forma de enfrentar o fechamento de salas de espetáculos atingidas pela especulação imobiliária. A estratégia seria incluir os pequenos teatros no plano diretor da cidade, como áreas culturais que precisam de proteção do poder público.

“É bastante difícil viver em uma sociedade que iguala o direto à vida ao direto à propriedade. Viver em uma sociedade onde, segundo a lei, a liberdade e a propriedade são garantias igualmente invioláveis sem nenhuma distinção”, diz o manifesto publicado pelo grupo no dia 15 de agosto, que pode ser lido ao final desta matéria.

“O uso cultural desses espaços públicos causa efeito positivo para a cidade. Não podemos destruir o bem coletivo em detrimento do bem privado. É preciso olhar para a reabertura do Cine Belas Artes como uma referência de resgate desses espaços culturais que formam um importante patrimônio para a cidade”, afirmou Orlando.

Uma lista de 20 teatros que, de algum modo, seriam ameaçados pela especulação imobiliária, foi encaminhada ao Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) para possível intervenção. A relação foi formulada pela Cooperativa Paulista de Teatro.

O Manifesto

Leia abaixo o manifesto escrito pelo Núcleo Bartolomeu de Teatro:

A Arte de sediar existência
Manifesto em defesa do território artístico-cultural
Já é bastante difícil viver em uma sociedade que iguala o direto à vida ao direto à propriedade. Viver em uma sociedade onde, segundo a lei, liberdade e propriedade são garantias igualmente invioláveis sem nenhuma distinção.

E é bem pior (ou muito mais arriscado) quando o direito à propriedade se transforma na eliminação de todos os outros direitos. Quando um “negócio” vira a mercantilização da vida. Quando um “empreendimento” significa expulsão, exclusão. Quando “incorporar” é sinônimo de destruir o patrimônio cultural comum. Quando um apartamento é justificativa para apartar.

O pleno exercício dos direitos culturais e artísticos (e suas formas de expressão) é garantia constitucional e considerado em sua natureza material e imaterial. Faz parte do rol que convencionou-se chamar de patrimônio cultural brasileiro.

Não é possível que o direito aos bens de mercado privado de poucos sejam mais importantes que o patrimônio cultural de muitos.

Sem cultura não há sociedade. Sem memória não há o que partilhar.
Nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, dizemos não a esta lógica indigesta e convocamos um debate público sobre qual é a forma e de que maneira podemos proteger a memória e as formas de criação estética materializadas no território cultural dos espaços–sedes dos coletivos artísticos da cidade de São Paulo.

No nosso entender, não é admissível que os grandes empreendimentos imobiliários destruam o patrimônio cultural dos grupos e sua troca com a cidade, e não proponham nenhum tipo de reparação.

É inadmissível que os empreendimentos cheguem como um “aparato invasor” e não dialoguem com o entorno ou com seus ocupantes. Não há negociação. Há, sim, expedientes que privatizam a discussão, apartando a sociedade e a cidade do debate e alijando os moradores de seu próprio bairro.

É preciso perceber que o que está em jogo é a cidade que queremos. Toda vez que se fecha um espaço artístico, um projeto de interesse público morre em detrimento de um projeto de interesse privado (que prevalece, modifica todo o entorno e sumariamente destrói, naquele território, a troca entre a cidade e a arte, apagando a memória e a criação estética/política daquele lugar).

Qual é o projeto de cidade destes empreendimentos?
Qual é a função social dessa arquitetura?
Qual é o diálogo que existe entre a história do território e esses “prédios”? E, sobretudo: O que a cidade recebe em troca de tal iniciativa?

É de notório conhecimento que o ato de permutar materializa a troca de uma coisa por outra. De toda forma, este ato passou a se mostrar como uma ferramenta eficiente de mascarar a falta de respeito ao direito de preferência de todo e qualquer inquilino, impossibilitando, mesmo que de forma ínfima, a resistência à destruição.

O que está em jogo é uma cidade.

Diante de tudo isso e, sobretudo, por acreditar que a pólis ainda é possível, que a rua é mar sem fim e que a cidade é o espaço comum para o convívio dos diferentes, nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, afirmamos publicamente que iremos abrir o diálogo com a sociedade através de eventos públicos na nossa sede e em seu entorno, e que mesmo diante das ameaças de despejo permaneceremos aqui, na tentativa de garantir a nossa existência.

Vamos publicamente exigir reparação para que tudo não seja visto apenas como uma “questão de mercado” e que os territórios artísticos culturais possam existir em sua plenitude.

Ter sede é sedir nossos sonhos
Ter sede é ter sede por transformação
Ter sede é construir o imaginário concreto
Ter sede é ter onde pousar

“Por que não existe outro pouso nem outro lugar de sustento….”