General impõe silêncio no exército sobre período da ditadura

Uma reportagem do jornal O Globo desta sexta-feira (22) revela que "o comandante do Exército, general Enzo Peri, proibiu os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante o regime militar. Em ofício datado de 25 de fevereiro, o general determinou que qualquer solicitação sobre o assunto seja respondida exclusivamente por seu gabinete, impondo silêncio às unidades”.

Raul Amaro Nin Ferreira

No entendimento do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ), a medida é ilegal e, por isso, vai pedir que a Procuradoria Geral da República ingresse com representação contra o comandante.

O ofício foi usado pelo subdiretor do Hospital Central do Exército (HCE), coronel Rogério Pedroti, para negar ao MPF-RJ o prontuário médico do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, que morreu na unidade em 12 de agosto de 1971. O documento médico poderia comprovar a suspeita de que Raul, que foi preso pelo DOPS na noite de 31 de julho, na Rua Ipiranga (Flamengo), não teria resistido às sessões de tortura. No ofício, Enzo Peri informa que a decisão abrange os pedidos feitos pelo “Poder Executivo (federal, estadual e municipal), Ministério Público, Defensoria Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964 e 1985”.

“O Ministério Público está adotando as medidas necessárias para remover esses obstáculos às investigações e responsabilizar os servidores que sonegam informações. De qualquer forma, é lamentável que o comando atual do Exército de um Estado Democrático de Direito esteja tão empenhado em ocultar provas e proteger autores de sequestros, torturas, homicídios e ocultações de cadáver”, lamentou o procurador da República Sérgio Suiama.

Ofício assinado por Enzo Peri

Na rede social Facebook, Suiama desabafou: "A prova de que o atual comando do Exército está comprometido em ocultar e omitir informações a respeito de criminosos da ditadura. Já há alguns meses, sempre que o MPF requisita documentos do Exército – por mais banais que sejam – recebe a esdrúxula resposta que as requisições devem ser feitas ao Comando Geral do órgão, por intermédio do Procurador-Geral da República. Agora descobrimos que a resposta padronizada resulta de uma ordem do general Enzo Peri, que avocou para si responder todos os pedidos relacionados "ao período de 1964 a 1985". E as respostas vêm sempre incompletas, jamais informando o órgão onde o militar investigado estava realmente lotado. Sem prejuízo das medidas a serem tomadas para anular o ato ilegal e responsabilizar aqueles que sonegam provas, é realmente lamentável que uma instituição militar em um regime democrático esteja tão empenhada em proteger autores de torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados”.

Investigações

No dia 11 de agosto deste ano, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro conseguiu comprovar o primeiro caso de tortura dentro de um hospital militar, no período da ditadura. O laudo pericial confirma que, por pelo menos três vezes, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira sofreu tortura, inclusive às vésperas de sua morte, no Hospital Central do Exército (HCE), em Triagem, na zona norte do Rio. Raul passou 12 dias em poder dos militares.

Com base em vasta documentação oficial e no laudo cadavérico, o médico-legista da CEV Nelson Massini revelou que Raul tinha lesões pelo corpo adquiridas durante a internação no HCE, para onde foi levado no quarto dia de prisão, 4 de agosto de 1971. O ativista tinha contusões no tórax, nas pernas e nas coxas, o que indica que foi atingido com socos, mas principalmente com pontapés e por meio de instrumento não identificado. O uso de choque elétrico não foi descartado.

"Fato vergonhoso"

A presidente da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges comentou o caso ao jornal O Globo: “Causa perplexidade o Hospital Central do Exército não ter autonomia para entregar ao Ministério Público Federal registros dos prontuários de presos políticos. Trata-se de mais um fato vergonhoso na história de nosso país, pois não bastasse as Forças Armadas não abrirem seus arquivos, ainda tentam impedir o MPF e a Comissão da Verdade de cumprirem com suas funções e negam prontuários médicos”.

Com agências