Lupicínio Rodrigues: “dor de cotovelo” com sotaque gaúcho

Muito inspirado pelas obras de Mário Reis e de Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues tornou-se parte do panteão da MPB com o seu tema predileto: a dor do amor. Aliás a dor de ser abandonado pela pessoa amada. Para isso, criou o termo dor de cotovelo, que significa para o compositor a “arte” de cravar os cotovelos na mesa de um bar enchendo a cara para aplacar o sofrimento pelo abandono.

Por Marcos Aurélio Ruy
 

Lupicinio Rodrigues
Neste ano, este grande nome da música popular brasileira teria completado 100 anos no dia 16 de setembro (e quarenta de seu desparecimento, ocorrido em 27 de agosto de 1974, pouco antes de completar 60 anos). O gaúcho de Porto Alegre é um dos maiores nomes de nossa música popular ao lado de Noel Rosa, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, entre tantos… A música brasileira tem essa capacidade de num mesmo ritmo conter diversos sotaques e batidas diferentes.
 
Suas canções estão eternizadas nas vozes de dezenas de grandes intérpretes, como Francisco Alves, Cyro Monteiro, Orlando Silva, Linda Batista, Elza Soares (a cantora carioca está com um show pelo Sesc com canções do compositor gaúcho em homenagem ao seu centenário), Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, Zizi Possi, Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhotto, entre muitos outros gravaram músicas suas. Mas o vozeirão de Jamelão é a marca mais concisa das obras do sambista gaúcho.
 
Muito precoce compôs seu primeiro samba, Carnaval, para um cordão de Porto Alegre aos 14 anos de idade e por isso o pai o alistou no Exército para que o menino desistisse dessa ideia. Felizmente para a MPB Lupicínio não abandonou sua veia artística; criou diversas obras-primas muito conhecidas de quem gosta de boa música e sofre com as questões do amor. Alguém nunca sofreu por amor?
 
Se Acaso Você Chegasse, em parceria com Felisberto Martins, foi seu primeiro grande sucesso, gravado em 1938. O sambista deixou Porto Alegre apenas por alguns meses, em 1939, indo para o Rio de Janeiro onde estabeleceu contato com Francisco Alves, que gravou dele os clássicos Nervos de Aço (1947), Esses Moços (1948), Quem Há de Dizer (1948) e Cadeira Vazia (1950).
 
Em 1952 Lupicínio Rodrigues gravou seu primeiro disco solo, Roteiro de um Boêmio. Gremista doente em 1959 compôs o hino oficial do clube:
 
“Até a pé nós iremos
para que der e vier
Mas o certo é que nós estaremos
com o Grêmio onde o Grêmio estiver”
 
"Eu tenho sofrido muito nas mãos das mulheres, porque sou muito sentimental, mas também tenho ganhado fortunas com o que elas me fazem…", revelou em uma crônica publicada na coletânea organizada por Lupicínio Rodrigues Filho, Foi Assim, em 1995. Poucos, porém, podem transformar suas dores em poesia musicada com tamanha qualidade como o compositor gaúcho. No clássico Nervos de Aço ele diz:
 
“Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror;
Eu só sei é que quando eu a vejo,
Me dá um desejo de morte ou de dor"
 
Em outro clássico, “Se Acaso Você Chegasse”, o autor diz:
 
“Se acaso você chegasse
No meu chateau e encontrasse
Aquela mulher que você gostou
Será que tinha coragem 
De trocar nossa amizade
Por ela que já lhe abandonou?”
 
Dizem as más e boas línguas que o sambista compôs suas melhores canções totalmente embriagado. Quantos bêbados podem ter tamanha sapiência em criações que permanecem na memória e no coração dos brasileiros até hoje?
 
“Eu não tenho nada com o ambiente musical brasileiro. Eu não sou músico, não sou compositor, não sou cantor. Não sou nada. Eu sou um boêmio", disse Lupicínio Rodrigues em entrevista ao jornal “O Pasquim” em 1973. Mesmo com toda essa humildade transformou-se num dos mais brilhantes compositores brasileiros.
 
Em “Felicidade”, Lupicínio canta:
 
“A minha casa fica lá detrás do mundo
Mas eu vou em um segundo quando começo a cantar
E o pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar”…
 
Certos autores se impõem ao deus-mercado independente da época de suas obras, justamente porque suas criações são atemporais e permanecem atuais pela eternidade. É o caso de Lupicínio Rodrigues cujas canções moram nos corações de todos os que amam ou amaram uma vez na vida.