Gestão de Aécio em Minas pode resultar em 78 mil demissões

Nesta terça (12), os trabalhadores da educação de Minas Gerais paralisam suas atividades para cobrar do governo do Estado uma solução para o desemprego iminente de cerca 78 mil trabalhadores da categoria. São diretores de escolas, professores, cantineiros, vigilantes e auxiliares de serviços gerais que, há 7 anos, foram efetivados como servidores estaduais sem concurso público pela Lei 100/2007, do então governador Aécio Neves.

Sindute Minas

Em março, a Lei 100/2007 foi declarada inconstitucional pelo do Supremo Tribunal Federal (STF), que só publicou agora, em 31 de julho, o acórdão final. Na semana passada, o governo de Minas entrou com embargos declaratórios, uma espécie de recurso que não tem o poder de mudar a posição tomada pela corte, mas possibilita o esclarecimento de dúvidas e pontos obscuros da decisão. De qualquer forma, protela seu cumprimento, já que o novo presidente da corte, Ricardo Lewandowski, ainda terá que marcar nova sessão de julgamento para apreciá-los. E isso pode demorar.

O governo do Estado, que continua nas mãos do PSDB, conta, portanto, com a morosidade com que o STF vem tratando questões judiciais envolvendo seu partido para não ter que amargar, antes das eleições, o custo político de ver milhares dos seus potenciais eleitores desempregados devido a uma trapalhada administrativa do presidenciável que tenta vender a imagem de gestor público competente. E enquanto isso, se esquiva de responder os anseios dos demissionários que, após a decisao do STF, foram transferidos do regime previdenciário próprio do Estado, o Ipsemg, para o Regime Geral, o INSS.

"O Governo do Estado lavou as mãos e vem fazendo de tudo para protelar o cumprimento da decisão para depois das eleições. Mas os trabalhadores precisam de respostas para seus problemas concretos agora" afirma a presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (Sind-UTE MG), Beatriz Cerqueira. Segundo ela, servidores que estavam em licença médica autorizada pela previdência estadual, por exemplo, foram reconvocados para o trabalho, já que, como o tempo deles de contribuição ao INSS não alcança um ano, o órgão não cuseia a licença.

Além disso, a maioria teme não conseguir se aposentar com a mudança de regime. Muitos, inclusive, amargam grande prejuízo: os que acumulavam mais de um emprego e, por isso, pagavam dupla contribuição ao Estado e ao INSS, agora, só terão direito à aposentadoria pelo segundo, que paga menos. É o caso da supervisora da Escola Normal de Juiz de Fora, Gina Sarkes Machado, que atua há 17 anos no Estado. "A sensação que temos é que estamos completamente desamparados, sem ninguém para resolver nossa situação. Eu, por exemplo, vou perder 17 anos de contribuição ao Ipsemg", afirmou à Carta Maior.

Ela conta que começou a trabalhar nas escolas estaduais na segunda metade da década de 1990, logo após se formar. Como o salário era baixo, trabalhava também na rede particular e municipal. Chegou a ser aprovada em dois concursos públicos para o Estado, mas nunca foi convocada. "Todo ano eles me chamavam para trabalhar como designada, com contrato temporário, e eu ia continuando, esperando a efetivação dos concursos, que nunca vieram. Até que em 2007, com a Lei 100, prometeram que eu e outros 98 mil servidores seríamos finalmente efetivados", conta ela.

Estudante do último ano de Direito, Gina já esperava que a lei fosse declarada inconstitucional. Mas garante que esta não é a realidade da maioria dos efetivados pela Lei 100. "Muitas pessoas acreditaram nas garantias do governo, que chegou a enviar uma carta ressaltando que teríamos os mesmos direitos dos concursados", alega. Segundo a supervisora, o clima na escola é péssimo. "Além de não saber até quando teremos salário, a maioria não pode nem ficar doente, porque o INSS não concede licença antes de um ano de contribuição. Nós queremos processar o Estado por danos morais", afirma.

"Gestão temerária e eleitoreira"

Para o deputado estadual Rogério Correia (PT), um dos mais atuantes da pequena oposição ao PSDB na Assembléia de Minas Gerais, o imbróglio é resultado da gestão temerária e eleitoreira do ex-governador Aécio Neves, que usou os servidores para resolver um problema financeiro imediato dos cofres públicos.

Segundo ele, quando assumiu o governo, Aécio constatou que o Estado tinha uma enorme dívida com a previdência porque, apesar de quase 100 mil servidores da educação serem contratados de forma temporária, eles recoliam contribuição para a previdência do Estado, e não para a do INSS, como rege a lei.

"Ao invés de quitar a dívida, passar a recolher a contribuição dos temporários para o INSS e abrir concurso público reconhecendo o tempo dos designados na contagem de pontos, Aécio preferiu enganar esses servidores e efetivá-los sem concurso público, o que é ilegal. Assim, protelou a dívida previdenciária com o governo federal, que permanece, e manteve mais dinheiro entrando nos cofres estaduais", esclareceu. Segundo o deputado, o Ministério da Previdência não divulga o valor atualizado da dívida, mas, à época da sanção da Lei 100, a estimativa era que chegva a R$ 7 bilhões.

"Chantagem eleitoral"

A presidenta do Sind-UTE MG vai mais longe. Segundo ela, tanto a gestão de Aécio (2003-2010) quanto a do também tucano Antônio Anastasia (2010-2014), que o sucedeu, criaram a lei 100 para fugir da dívida com a previdência, mas trabalham com a construção discursiva de que o Estado precisa continuar nas mãos do partido para que esses servidores tenham seus direitos assegurados, em uma espécie de chantagem permanente com o eleitorado. "Eles usam a fragilidade funcional deste pessoal para obter ganhos eleitorais. Fizeram isso em 2010 e agora voltam com o mesmo discurso", denuncia.

De acordo com a sindicalista, a "estratégia perversa e eficaz" do governo mineiro para manter seu apoio popular mesmo frente ao quadro caótico vai do controle midiático a práticas antissindicais. Em entrevista ao maior jornal do Estado, em fevereiro, a secretária de Educação, ana Lúcia Gazzola, chegou a afirmar que o Sindicato estaria contra os servidores que deveria representar. "Grande parte da mídia não escuta outros atores que não sejam os do próprio governo. Por isso, só reproduz a versão oficial que o Estado divulga", acusa.

Outro discurso reverberado durante o processo foi o de que a Adin contra a Lei 100 seria uma manobra da presidenta Dilma Rousseff que, por meio do Ministério Público Federal, tentava minar a popularidade do seu opositor no Estado. "Esse discurso chegou a ser veiculado nos emails funcionais das escolas estaduais, através de mensagem encaminhada por uma tal de Associação dos Pais e Professores de Minas Gerais (APP-MG), que não tem nenhuma representatividade e faz papel de correia de transmissão do governo do Estado", conta.

De acordo com ela, mesmo o poder judiciário, o Tribunal de Contas e o Ministério Público mineiros atuam ssitematicamente de forma coordenada com o governo. "Não tem ninguém que fiscaliza, que atue em defesa dos trabalhadores. e os poucos que dizem a verdade, como é o caso do Sindicato, acabam sofrendo forte processo de retaliação, no nosso caso de práticas antissindical", acrescenta.

O deputado Rogério Correia concorda. "Hoje mesmo o presidente da Assembleia, Dinis Pinheiro, que também é o candidato do PSDB a vice-governador do Estado, desqualificou a mobilização desta terça acusando o sindicato de pertencer ao PT. Aqui em Minas, não existe separação dos poderes. É um noecoronelismo de fazer inveja ao toninho Malvadeza", acrescentou.

O histórico do caso

O imbróglio envolvendo os trabalhadores da educação de Minas Gerais começa muito antes do governo Aécio (2003-2010). Mais precisamente quando a Constituição de 1988 passou a exigir concurso público para ingresso no serviço público. O governo de Minas resistiu à nova norma legal e manteve a maioria de servidores com contratos temporários. E pior, recolhendo as contribuições previdenciárias deles para o Estado, o que era irregular.

Em 2000, o então governador Itamar Franco (1999-2003) tentou resolver o impasse abrindo concurso público para preenchimento das vagas na educação. Em maio de 2002, o homologou os resultados. Foi quando apareceu em cena a até então desconhecida Associação dos Professores Públicos Mineiros (APP-MG), questionando o certame, já que grande parte dos 120 mil profissionais que trabalhavam há anos para o estado via designações não haviam sido aprovada no concurso e ficariam desempregados.

Aécio Neves assumiu o governo, em 2003, com os profissionais da educação divididos. Enquanto a APP-MG promovia manifestações para resguardar os direitos dos designados que não foram aprovados no concurso, o Sindi-UTE pressionava pela aprovação dos concursados. Em outubro, chegou a convocar os primeiros aprovados no conruso para assumirem seus cargos. Mas, em dezembro, como parte da sua política que ficou conhecida como "choque de gestão", mudou as regras para designações e voltou a investir nas contratações temporárias.

O Sind-UTE MG acionou o Ministério Público, que obteve liminar judicial suspendendo a contratação de designados que não foram aprovados em concurso. Pela decisão, o governo seria obrigado a pagar R$ 10 mil por cada designado mantido nas escolas. O governo Aécio, ao invés de convocar os concursados, partiu para o ataque, via imprensa. Segundo ele, a decisão judicial deixaria 2,7 mil alunos sem aulas e colocaria a educação mineira em risco.

Em 2007, ele encaminhou à Assembleia o projeto de lei para efetivar 98 mil trabalhadores designados sem concurso público. O projeto foi aprovado e sancionado. A Procuradoria Geral da União (PGR), porém, recorreu ao STF contra a Lei 100. Em maio deste ano, a corte máxima julgou a Adin procedente. Os ministros Marco Aurélio de Mello e Joaquim Barbosa, então presidente do STF, votaram pela demissão de todos os 98 mil efetivados. A maioria, porém, seguiu o voto do relator, ministro Dias Toffoli, que estabeleceu exceções.

Pelo voto do relator, ficaram isentos dos efeitos da decisão os trabalhadores que se aposentaram no período e os que prestaram novo concurso público e foram aprovados. Aos demais, que o governo mineiro estima em 78 mil, restou a demissão. Para os servidores que ocupam cargos para os quais não há concurso público em andamento, a dispensa deve ocorrer em até um ano, para que o Estado tenha prazo para promover o certame. Para os demais, tem efeitos imediatos. Ou seja, deverá ser cumprida logo após o julgamento dos embargos.

Fonte: Carta Maior