A vitrine ou… o quanto invisíveis somos

Aproximava-se do almoço e apressadamente andava para resolver algumas pendências do dia. Saíra da escola bem rápido, um dois, três quarteirões e estava no centro da cidade… Carros, buzinas, pessoas, uma greve na cidade, os comentários difusos das calçadas, o sol forte e do outro lado da rua observo lentamente uma moça a trabalhar na montagem da vitrine.  

Por Francis Paula Correa Duarte (*)  

Vitrine
De repente tudo ganhou outra velocidade, um ritmo diferente e uma câmera lenta tomaram alguns instantes do meu olhar…
 
A moça, num ar entre melancolia e cansaço, retirava e colocava sapatos na vitrine. Por vezes parava, olhava para fora da loja, mas parecia nada observar. Um semblante difuso, assim como muitos que passavam por mim. E eu? Nesse momento eu também olhava para a vitrine, mas para muito além do vidro ou dos sapatos caros.
 
Observei um pouco mais e surgiu a imagem de uma senhora, mais ou menos sessenta anos, que sempre perambula por aquele lugar… Sim, ela fora abandonada pela família após um derrame e vivia das migalhas de uma sociedade doente que nos abriga.
 
A senhora olhava a vitrine, na verdade, não olhava, estacionava seu olhar no vidro transparente e também entre melancolia e cansaço, parecia adentrar um universo além dos sapatos que eram expostos. Abaixava a cabeça, olhava os braços, segurava fortemente duas bolsas plásticas e respirava de forma profunda.
 
Do outro lado da rua, eu continuava a olhar, mas agora para dentro da "vitrine" que há em mim, além do que exponho diariamente para tantos outros olhares difusos, tal como as vozes da calçada.
 
Três pessoas, a moça da loja, a senhora e eu… Entre nós uma vitrine, um vidro transparente, uma rua, a calçada… Mais do que isso, dores, desejos, segredos, vontades e uma solidão cotidiana…
 
Seria realmente o vidro invisível? Ou nossos rostos anônimos?
De repente um carro buzina, meio que acordo dessa catarse, olho para os lados… A moça saíra da vitrine, a senhora voltara a andar e eu seguiria meu caminho. Qual caminho?
 
Isso não importa muito agora, meus afazeres me esperam. Mas e a moça e a senhora? Seguiriam seus caminhos? Quais? Isso também não importaria?
 
Somos mistérios, somos invisíveis, somos humanos… incompletos e eternamente crianças na frente de uma vitrine… Mesmo que seja a da nossa própria alma.
 
(*) Mestrada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pós-graduada (Especialização) em Saberes e Práticas da Básica em Educação de Jovens e Adultos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2013)