Mauro Santayana: A escalada do Olimpo

Com quase 2.800 metros de altitude, o Monte Olimpo é o mais alto da Grécia e símbolo maior da mitologia grega, presente de Gaia a Zeus para a morada dos deuses. Os autores gregos da Antiguidade situam-no entre as nuvens, e Aristófenes disse que Sócrates era nefelibata, e sobre as nuvens passeava.

Por Mauro Santayana*

Os gregos cultuavam seus deuses, com os jogos que se celebravam de quatro em quatro anos, em Olímpia e em outras cidades do Arquipélago. Era uma competição entre cidades e atletas em busca da glória. Um grande poeta, Pindaro, vivia de lhes cantar a fama, em troca de dinheiro. Dele é o belo verso em que o homem é apenas o sonho de uma sombra. Mas traz o consolo para a fugacidade da vida: quando o sol nos traz seu calor e sua luz, como a vida é bela…

Vivemos hoje como nos tempos gregos: de quatro em quatro anos, temos, revezando-se, a Copa do Mundo e, como os gregos, os Jogos Olímpicos, carregados da mesma paixão que opôs Atenas a Esparta.

Com a paixão do ódio, o facínora Adolf Hitler recusou-se a cumprimentar o negro norte-americano Jesse Owens, o mais destacado atleta dos Jogos de 1936, em Berlim, com quatro medalhas de ouro e a quebra de quatro recordes mundiais em 45 minutos. O Führer gastara milhões de marcos para promover a Alemanha no mundo e obter o reconhecimento dos povos, mas sobretudo para demonstrar a superioridade da “raça ariana”. Os dirigentes nazistas, como Ribbentrop, Goering e Goebbels, ofereceram faustosas recepções e jantares aos chefes de Estado e personalidades mundiais, presentes durante a competição — mas o seu gesto, de negar-se a apertar a mão negra do grande atleta, desmoronou os seus esforços. Ainda que os dignitários europeus e norte-americanos, ali presentes, fossem tão racistas quanto ele, a opinião dos trabalhadores e intelectuais do mundo foi de repúdio ao ditador.

Hitler sonhava uma aliança com os norte-americanos e ingleses, que ele considerava arianos como ele mesmo, com o objetivo de exterminar os judeus e escravizar todos os outros povos; assim, como manobra tática, determinara a suspensão — durante os jogos — das “Leis de Nuremberg”, que regulavam as normas antissemitas. Mas já sonhava com a Endlösung, com a solução final, que levaria à morte milhões de judeus, ciganos e eslavos.

Em nossos dias, que coincidem com a Copa do Mundo, vemos como os jogadores e torcedores vivem a euforia olímpica, durante os noventa minutos de cada partida, eventuais prorrogações e disputas de pênaltis, e na memória dos embates. Mas há uma diferença entre os torcedores e os craques que entram em campo: os segundos, além de sonharem com a glória — é o caso de Pelé, que se diz apenas torcedor — sonham ainda mais com o dinheiro, que nunca utilizam para o bem comum, e, sim, para si mesmos.

Os jogadores, com poucas exceções, são egoístas. Presumem-se acima do bem e do mal, e são, de fato, apátridas, só vestindo a camisa de seus patrões, nunca a de seu povo; só envergam as cores nacionais — nas partidas amistosas e nas disputas da Copa — poluídas de anúncios comerciais exclusivos, em que faturam bom dinheiro, em parceria com a Fifa e as confederações. Mas nem por isso merecíamos o score melancólico de 7a1 — e, menos, ainda, dos alemães.

Tivemos a humilhante derrota de sábado, diante deles, que venceram ontem a partida final com a Argentina. Tão arrogantes, quanto alguns de nossos adversários, foram as melancólicas desculpas do senhor Scolari. Nele, a vaidade consegue superar a tartamudez da linguagem e a cara e o espírito de perdedor.

E para o sofrimento de nossa alma, houve cidadãos brasileiros que se disseram torcedores da Holanda e da Alemanha. São os saudosistas do 2 de Julho de 1822, quando a Bahia repudiou a Independência Nacional e combateu as forças brasileiras, ou os desmemoriados do afundamento dos navios brasileiros nas costas de Sergipe em agosto de 1942, o que nos impeliu a levar a pátria ao chão italiano.

Afinal, o que é pátria? Na célebre conferência que pronunciou na Sorbonne, no fim do século 19, Ernest Renan disse que uma nação se faz e se mantém na solidariedade cotidiana entre seus membros. Assim são as pátrias. Quando as pessoas reagem como esses — como diria Nelson Rodriges — novíssimos vira-latas, ao rejeitarem seu próprio povo, nada merecem a não ser nosso repúdio.

Para glorificar a pátria não podemos exaltar outras bandeiras, mas, sim, abraçar a nossa, com toda a força de nosso coração. Quem desdenha a pátria, desdenha a si mesmo.

**Jornalista autodidata brasileiro, blogueiro e colunista político do Jornal do Brasil.