Mahmoud Abbas: A visão da Palestina para a paz é clara

Já se passaram 26 anos desde que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) endossou oficialmente a solução de dois Estados. Numa decisão dolorosa e histórica, a Palestina reconheceu o Estado de Israel no território pré-1967, concedendo mais de 78% de terras palestinas. Ao invés de aproveitar esta oportunidade de paz, o atual governo israelense escolheu usar o processo de paz como cortina de fumaça para mais colonização e opressão.

Por Mahmoud Abbas*, no jornal israelense Haaretz

Reconhecimento da Palestina - ONU

Nós ainda desejamos acreditar que nossos vizinhos israelenses não esperam que o povo palestino viva em um sistema de apartheid. O desejo de uma nação amante da paz e da liberdade pela independência não pode ser eliminado pela força.

A visão da Palestina para a paz é clara, firmemente enraizada em princípios do direito internacional, porque acreditamos que nenhuma paz justa e duradoura pode ser alcançada sem que se respeitem os direitos de todos, inclusive tanto dos palestinos quanto dos israelenses. Conforme estes princípios, a soberania dos Estados da Palestina e Israel, como assegurada pelas fronteiras internacionais de 1967, precisa ser respeitada; e os direitos dos refugiados palestinos precisa ser cumprido, de acordo com a Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

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A negociação serve como uma ferramenta ponderosa para a paz, mas as negociações devem ter um objetivo declarado e parâmetros claros. Ao menos em relação à Palestina, o governo de Israel não compartilha os mesmos objetivos e parâmetros com o resto do mundo. É hora de o planeta aceitar que as políticas do atual governo de Israel não são consistentes com a solução de dois Estados.

É revelador que, durante os nove meses de negociações mediadas pelos Estados Unidos, Israel anunciou unidades habitacionais para 55 mil novos colonos em território ocupado. Significa isso uma intenção de alcançar uma paz justa e duradoura com a Palestina? Muitos de nossos amigos nos lembram das palavras sábias do falecido presidente Kenneddy: “Não podemos negociar com aqueles que dizem ‘o que é meu, é meu, e o que é seu, é negociável’.” As negociações são inúteis enquanto Israel continuar aprofundando a sua ocupação e mudando a demografia do nosso país para impor novos fatos no terreno.

Quando a Palestina exerceu seu postergado direito de buscar reconhecimento como Estado diante das Nações Unidas, não o fez como tentativa de desviar de uma paz negociada. Este reconhecimento de 138 das estimadas nações do mundo abriu novas janelas de oportunidade para a Palestina afirmar seus direitos e os direitos do seu povo, principalmente através do acesso a tratados multilaterais e organizações internacionais. A liderança palestina está consciente dos vários tratados e organizações às quais a Palestina pode se associar hoje.

Pedimos à comunidade internacional para que pare de esconder-se por trás dos apelos pela “retomada das conversações” sem responsabilizar o governo israelense por suas obrigações. A comunidade internacional tem a responsabilidade de proteger nosso povo indefeso que vive sob o terror dos colonos, de um Exército de ocupação e de um bloqueio doloroso. Atitudes decisivas precisam ser tomadas para garantir que os colonos israelenses, que residem ilegalmente e exploram o território e os recursos naturais do nosso Estado, não gozem dos mesmos benefícios daqueles israelenses vivendo em Israel. A atitude da comunidade internacional para com o governo israelense precisa ser correspondente ao seu respeito pelo direito internacional e aos direitos humanos.

Quando a Liga Árabe apresentou seu generoso plano de paz, a Iniciativa Árabe de Paz, a resposta de Israel foi mais colonização. Esta oferta, que ainda se mantém, propõe a Israel reconhecimento completo e normalização [das ralações] com 57 países membros da Liga Árabe e da Conferência Islâmica, em troca por sua retirada para a fronteira de 1967 e por uma solução acordada para a questão dos refugiados, com base na Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Israel nunca encontrará uma oferta melhor de integração regional do que a Iniciativa Árabe de Paz.
Em um momento em que os colonos continuam atacando lares, igrejas e mesquitas palestinas, quando prisioneiros continuam sendo maltratados em prisões ilegais, quando colônias continuam se expandindo, quando mais da metade do nosso povo continua no exílio, e quando as perspectivas para uma solução negociada de dois Estados tem sido quase completamente destruída pelo governo israelense, o corajoso povo palestino continua a enviar a mensagem da paz e da justiça a Israel e ao resto do mundo.

Apesar de todas as tentativas israelenses de fazer a nossa nação aceitar a realidade do exílio e do apartheid sob um manto de impunidade, continuamos a marchar em direção à liberdade. Parafraseando o falecido Mahmoud Darwish, “Estando aqui, ficando aqui, permanente aqui, eterno aqui, e temos um objetivo, um, um: existir.”

Como presidente do povo palestino, estou totalmente comprometido com a visão de uma solução de dois Estados, normalização e paz com o nosso vizinho – Israeln. Esta é a razão pela qual me somei ao Papa Francisco – junto com o presidente Shimon Peres – em oração pela paz. Meu povo quer a paz, e estamos, por isso, encorajados pela conferência do Haaretz, que reflete o mesmo desejo de tantos israelenses genuinamente prontos para um compromisso histórico. Saber disso reforça a dedicação do meu povo para continuar no caminho da paz e da reconciliação. Esta é a obrigação sagrada de israelenses e palestinos, igualmente, com os nossos filhos.

*Mahmoud Abbas é o presidente da Palestina e do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, reconhecida pelas Nações Unidas como a única representante do povo palestino.

Fonte: Haaretz
Tradução de Moara Crivelente, da Redação do Vermelho