Alberto Villas: Memórias sobre a Copa do Mundo de 1966

Meu sonho era pegar o primeiro avião com destino a terra dos Beatles pra assistir a Copa do Mundo. Mas eu era apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso e com apenas 16 anos. Fiquei por aqui. Peguei o ônibus da Itapemirim e fui passar as férias de julho em Sobradinho, cidade satélite de Brasília.

Por Alberto Villas*, na Carta Capital


 Por que Sobradinho? Era lá que morava minha irmã mais velha, grávida de nove meses. O bolão era para saber se o bebê (ninguém sabia se seria menino ou menina porque não tinha como) nasceria no dia do jogo do Brasil contra a Bulgária, contra a Hungria ou contra Portugal.

Quando chegamos, Sobradinho já estava no clima do Mundial. Ninguém cogitava a possibilidade de não ter Copa. As pessoas estavam colocando bandeirinhas de crepom nas ruas, pintando o chão de verde e amarelo e escrevendo nas paredes “Brasil Tricampeão”.

Meu irmão levou com ele um radinho de pilha com uma capa de couro marrom e era nele que acompanharíamos os jogos durante todo aquele mês de julho. Compramos pilhas novas e ficamos esperando a hora do apito inicial, com o coração na mão.

Não foi fácil acompanhar cada partida. A transmissão era muito ruim e no meio da jogada a voz do narrador ia sumindo, sumindo, sumindo e só depois, aos poucos, começava a voltar.

Quando a voz ia desaparecendo eu e meu irmão corríamos para a porta da casa da minha irmã e numa tentativa desesperada, ficávamos apontando o radinho pro alto, como se aquele céu do planalto central do Brasil que nos protegia, iria trazer de volta a voz para dentro daquele radinho de pilha.

Quando os jogos eram em Birmingham, Sheffield e Sunderland, aí a coisa piorava. A voz era cada vez mais distante, o que nos obrigava a colar o ouvido no radinho de pilha.

Foi nesse clima que vimos o Brasil ganhar da Bulgária de dois a zero, perder da Hungria de três a um e de Portugal também de três a um. Não foi fácil assistir aquele vexame de ver a seleção canarinho ficar em décimo-primeiro lugar.

Aquela foi a copa dos ingleses Bob Moore e Gordon Banks, dos alemães ocidentais Uwe Seeler e Franz Beckenbauer, do goleiro Lev Yashin da União Soviética e, principalmente, de Eusébio, da seleção de Portugal, para quem passamos a torcer mesmo depois dos patrícios eliminarem o Brasil.

Nunca me esqueço daquele jogo com a Coréia do Norte em que o radinho começou a falhar quando estava três a zero pra Coréia do Norte. A voz ia e vinha e toda vez que voltava o placar tinha mudado. Três a um, três a dois, três a três. Aí a voz sumiu de vez e quando voltou, Portugal tinha virado o jogo e estava ganhando de cinco a três e, segundo o narrador, os coreanos estavam tropeçando na língua, não conseguindo sequer andar dentro de campo.

Quanta alegria nos deu aquele radinho de pilha! No dia seguinte, íamos até a Avenida W-3 comprar O Globo pra ver as radiofotos. O Globo só era vendido nas bancas da W-3. Nunca me esqueço daquela foto do coreano marcando o primeiro gol contra Portugal, com o corpo todo retorcido e a cara parecendo que estava num furacão.

Não me lembro se completamos o álbum de figurinhas de 66 nem se preenchemos até o final nossa tabela de jogos, um brinde da Coca-Cola.

Mas eu nunca me esqueci que naquele ano Mao Tse-tung começou uma revolução cultural na China, a nave Surveyor mandou 144 fotografias lindas da Lua para a Terra e que os negros saíram às ruas de Nova York, Chicago e Cleveland protestando contra o racismo. Três negros morreram e seis policiais ficaram feridos.

Nunca me esqueci que Eusébio, a pantera negra, foi o goleador da Copa com nove gols, que a Inglaterra foi campeã com um gol duvidoso quando já estávamos nos descontos e que a minha irmã ganhou uma menina – a Christiane – no dia em que Portugal garantiu o terceiro lugar ganhando de dois a um da União Soviética.

*Alberto Villas é jornalista, escreve crônicas, autor dos livros “O mundo acabou!” e “Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta”