A pirataria moderna: Capitão Phillips

A certa altura o filme Capitão Phillips dá um giro de 180 graus, bagunçando a noção sobre quem é o culpado e quem é o mocinho. De fato, em uma situação como esta identificar os sujeitos e os predicados deve mesmo resultar de um debate complexo.

Por Carolina Maria Ruy

 

Capitão Phillips filme
Segunda-feira, 13 de abril de 2009: jornais brasileiros estampam a manchete: “Militares resgatam americano sequestrado por piratas da Somália. O que parece trama de filme aconteceu no mar da costa da África”.
Em dois séculos o cargueiro Maersk Alabama, foi o primeiro navio de bandeira americana a ser atacado por piratas. A tripulação, comandada pelo capitão Richard Phillips, reagiu e conseguiu retomar o controle do navio. Mas o capitão foi levado como refém. Navegando em alto mar em um barco salva-vidas, o “bando”, quatro adolescentes entre 13 e 18 anos, foi cercado pela gigantesca operação deflagrada pelo Departamento da Defesa dos EUA. O resgate performático foi coberto pela mídia e acompanhado pela população dos EUA. Após a operação, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama afirmou que “é preciso reforçar a ação mundial contra os piratas e ter a certeza de que os que forem presos serão punidos”.
 
A pirataria moderna, que só nos quatro primeiros meses de 2009, atacou 41 navios e sequestrou 250 comandantes e tripulantes, em nada lembra as histórias fantásticas da Época Dourada da Pirataria do século 17. Ela tem raízes na condição de miséria e abandono que assola muitos países da África. Neste caso, no início da década de 1990, quando milícias ganharam força na Somália, recrutando como soldados (como os piratas), jovens sem qualquer perspectiva de vida.
 
Em 2013 o resgate cinematográfico se consolidou em um filme. No thriller denso e emocionante vemos com medo os esguios piratas tomarem de assalto a embarcação que se destina, ironicamente, a entregar mercadorias e alimentos para o povo somaliano.
 
Os invasores são a imagem da mais profunda desordem social. Mas, durante as negociações percebemos que toda aquela hostilidade está à serviço de algo muito maior e temível que eles.
A fragilidade dos bandidos aparece pouco a pouco, até, surpreendentemente nos levar a certa compaixão. Surpreendente ver como aqueles seres humanos marcados pela miséria e pela fome conseguem ainda cultivar sonhos e ilusões.
 
No jogo internacional, que vai além do que a vista deles alcança, eles são como pragas que devem ser dedetizadas. No horizonte histórico, eles são as vitimas.
 
Já foi dito que “Capitão Philllips é um filme muito particular, por conta dessa questão das desproporções”. No filme, embora o foco seja o salvamento do capitão, o enredo, a certa altura, dá um giro de 180 graus, bagunçando a noção sobre quem é o culpado e quem é o mocinho. Neste sentido, combater e punir jovens agentes de uma milícia cruel e fundamentalista, como quer Obama, seria um paliativo interessante apenas àqueles que ganham com a guerra.
 
Capitão Philllips, entretanto, não se arrisca a defender nenhuma tese. Ele relata a ação, dosando adrenalina e sensibilidade. E é aí que se torna grande. Em uma situação como esta identificar os sujeitos e os predicados deve mesmo resultar de um debate realmente complexo.

Serviço

Capitão Phillips
(Captain Phillips)
EUA, 2013
Direção: Paul Greengrass
 
(*) Jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical

Fonte: Força Sindical