Na contramão do discurso: em defesa da Copa no Brasil

É muito comum, na atualidade, a forte crítica à Copa no Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016 no Brasil, contudo, diferentemente do discurso difundido, pretendo, nesse esboço, analisar de maneira teórica as obras aqui realizadas.

Por Nelson Fernandes Felipe Junior*

Para “alimentar” a discussão, cabe inicialmente destacar que – de acordo com estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas – o efeito multiplicador gerado no país será quintuplicado em relação aos investimentos realizados diretamente na Copa (pelo Estado e pela iniciativa privada), ou seja, a expectativa é que a economia nacional produzirá 142 bilhões de reais adicionais até o final do evento (julho de 2014).

Segundo Rangel (2005), todo investimento e toda obra de construção civil, especialmente a pesada, são relevantes para a geração de empregos e renda. Nesse sentido, os novos estádios brasileiros (as denominadas arenas) exercem uma dupla função: estão contribuindo com o efeito multiplicador interno e funcionam como ação anticíclica. As obras ligadas à Copa movimentam não apenas a indústria e a construção civil, mas também o setor de serviços, o turismo, o comércio (restaurantes, lojas, shoppings etc.), o sistema portuário e marítimo nacional (caso das cargas de projeto/superdimensionadas), entre outros.

O argumento que diariamente ouvimos é que o Brasil não deveria gastar com as obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, pois temos graves problemas habitacionais, educacionais, de saneamento básico, de segurança pública, de transporte público e outros.

Então significa dizer que, diante desses gargalos, não poderíamos sediar grandes eventos? A periferia capitalista tem que manter-se na “traseira” dos países desenvolvidos? A questão central é que as pessoas utilizam o argumento do “um ou outro”, isto é, ou serviços públicos de qualidade ou Copa, sendo que o Estado brasileiro – diferentemente da crise financeira dos anos de 1980 – tem capacidade de fomentar diversos setores estrangulados da economia e atender diversas demandas sociais (ou diretamente ou via parcerias público-privadas – PPPs), mesmo sediando os dois grandes eventos.

Caberia ao Estado, portanto, intensificar e acelerar as inversões em serviços públicos no país, utilizando-se os bancos estatais (principalmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal – CEF) e também os privados (Bradesco, Itaú, Santander etc.), visto que estes últimos possuem uma participação modesta no desenvolvimento brasileiro (conservadores). Ademais, com base na “saída rangeliana”, é fundamental no país: a) aplicar o modelo ideal de concessão de serviços públicos à iniciativa privada, em que o Estado é, ao mesmo tempo, o poder concedente e o credor hipotecário (Estado forte/regulador); b) estimular o carreamento de recursos ociosos aos setores antiociosos, através da intermediação financeira e de um arcabouço legal.

As obras do PAC-Copa do Mundo são fundamentais para a geração de renda e para o incremento da demanda por máquinas e equipamentos da indústria nacional. A construção dos estádios induz ao efeito multiplicador interno e resulta em ganhos macroeconômicos. Diversos trabalhadores têm a possibilidade de exercerem uma atividade com carteira assinada e com garantias trabalhistas (emprego formal), como férias remuneradas, décimo terceiro salário, contribuição com a previdência social etc. As obras da Copa aumentam a propensão marginal a investir, a consumir e a poupar, sendo uma estratégia vital para dinamizar a economia local, regional e nacional (KEYNES, 1982). De acordo com Rangel (2005), o Estado a partir do planejamento e das políticas públicas de desenvolvimento regional, deve criar condições para que a dinâmica econômica se torne incorporadora de mão de obra, atraindo capitais e recursos existentes no território nacional.

Vale lembrar que estamos vivenciando um período recessivo da economia internacional e, mesmo assim, o Brasil possui, atualmente, um dos menores índices de desemprego do mundo (5% em março de 2014, segundo dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Como isso é possível? Alguns fatores explicam esse contexto, quais sejam: a maior diversificação das parcerias comerciais na última década (fluxos Sul-Sul) (o país tornou-se menos susceptível às crises de demanda no centro capitalista), o fomento do crédito ao produtor e ao consumidor e os investimentos infraestruturais (Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, Programa Minha Casa, Minha Vida e obras da Copa do Mundo). A crítica mais coerente é, porque as inversões em setores antiociosos são insuficientes no Brasil? E não simplesmente fazer críticas pesadas às obras dos estádios que estão mantendo o emprego e a demanda internamente.

No Brasil não houve críticas às Olimpíadas de Pequim (2008), na China, mas no país asiático também há déficit habitacional, falta de escolas, hospitais e creches, saneamento básico precário em diversas periferias das grandes cidades etc. Parte dos setores conservadores brasileiros até elogiavam as obras das Olimpíadas de 2008. Outro exemplo recente diz respeito à Copa do Mundo da África do Sul (2010), que aconteceu em um país com graves problemas de desigualdade social, serviços públicos deficientes, doenças, violência e outros. As Olimpíadas de inverno na Rússia (Sochi), em 2014, por sua vez, tiveram o maior investimento da história (50 bilhões de dólares – um balneário de verão foi transformado em centro esportivo de inverno – nos jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, em 2007, foram gastos 1,9 bilhão de dólares), mesmo havendo problemas infraestruturais e nos serviços públicos do país.

No que tange à Copa do Mundo de 1950, no Brasil, foram construídos e reformados diversos estádios no país (Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife), sendo considerado, na época, um evento estratégico para o desenvolvimento brasileiro, especialmente para fomentar os setores de bens de capital, siderurgia, metalurgia e construção civil. Assim como o Estádio do Maracanã em 1950, a construção do complexo esportivo para os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, em 2007, foi relevante para a economia fluminense (geração de empregos e renda). Os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, foram tratados como uma oportunidade estratégica pelo Estado, diante da necessidade de recuperar o emprego e o consumo na Grã-Bretanha após a crise de 2008. Outros exemplos de nações periféricas que sediaram grandes eventos são: o México (Copas de 1970 e 1986), a Argentina (Copa de 1978) e o Chile (Copa de 1962). Diante disso, infere-se que historicamente diversos países (inclusive o Brasil) utilizaram/utilizam grandes eventos esportivos como estratégia anticíclica e oportunidades para o desenvolvimento econômico (políticas keynesianas).

No Brasil, atualmente, verificam-se diversos impasses/embargos jurídicos e ambientais e discursos realizados pelas Organizações Não-Governamentais (ONGs), por grande parte da imprensa brasileira e por diversos partidos políticos, embasados em um conteúdo neoliberal, antinacionalista e antidesenvolvimentista, no que tange às obras infraestruturais realizadas no país (especialmente ligadas à Copa do Mundo). Tais discursos têm como princípio o retorno do Estado-mínimo, o corte dos investimentos (prejudicando a renda e a demanda) e a realização de propagandas pessoais e das instituições em âmbitos nacional e internacional.

Os grupos conservadores querem a ampliação da atuação do capital financeiro na economia brasileira, em detrimento dos setores industrial e da construção civil (geradores de empregos).

Assim, argumentos utilizados por partidos da direita entreguista (principalmente pelo PSDB e DEM), apoiados por “âncoras” da imprensa (vários jornalistas que realizam análises políticas, econômicas e esportivas), têm como objetivo “criar uma comoção nacional contra os gastos nos estádios”. Esse empenho dos segmentos conservadores em criticar a Copa e as Olimpíadas no país – conseguindo influenciar grande parte das camadas populares e muitos intelectuais – tornou-se um “mecanismo político-eleitoral”, ou seja, um meio de conquistar eleitores, especialmente os mais jovens. A rede Globo e a Bandeirantes, por sua vez, não fazem maiores críticas à Copa do Mundo no Brasil, justamente porque são as emissoras que lucram com a transmissão do evento, além da proximidade histórica com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Não obstante, é pertinente a crítica “para além dos estádios”, ou seja, poderíamos ter aproveitado a oportunidade (Copa do Mundo) para realizarmos melhorias significativas no transporte público (corredores exclusivos para ônibus, metrôs e trens de superfície), nos aeroportos, na mobilidade urbana, maior fluidez no espaço e outros. Nesse sentido, houve avanços mais significativos na África do Sul (Copa de 2010) em comparação ao Brasil (Copa de 2014), principalmente em relação ao transporte coletivo, além do custo menor dos estádios e da maior rapidez das obras.

* Doutor em Geografia pela FCT/Unesp, campus de Presidente Prudente. Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), campus de São Cristóvão. Pesquisador do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI).