Por violações, Palestina pede impugnação de Israel à Fifa

No campo, a principal preocupação dos jogadores de futebol é (ou deveria ser) vencer. Contudo, para os atletas palestinos, é mais importante manter a integridade física e ter seus direitos humanos respeitados. Em entrevista ao Vermelho, que esteve na Cisjordânia no final de março, o presidente da Federação Palestina de Futebol e o capitão da seleção denunciaram as constantes violações de Israel contra os esportistas.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho 

Por violações, Palestina pede impugnação de Israel à Fifa - Ahmad Gharabli/AFP

Durante a visita da 3ª Missão de Solidariedade ao Povo Palestino (organizada pelo Comitê Pela Criação do Estado da Palestina e que traz representantes de diversas entidades) a Ramallah, a delegação brasileira se reuniu com Jibril M. Rajoub, presidente da Federação Palestina de Futebol e com o jogador e capitão da seleção Roberto Kettlun (Peto).

“Nossa luta é para que o jovem palestino tenha seu lugar no esporte.” Essa foi uma das primeiras afirmações de Rajoub ao referir-se às imposições da ocupação israelense para o esporte. Segundo ele, “a situação de desrespeito está ferindo a moral dos jovens, que só podem interpretar as restrições sofridas como medidas racistas destinadas a minar seu futuro como atletas”. 
 

Jibril Rajoub. (Foto: Théa Rodrigues) 

Jibril Rajoub“Nós estamos tendo muitas dificuldades e a maior delas é a política israelense, que prejudica o traslado dos nossos atletas”, disse Rajoub. Segundo o presidente da Federação Palestina de Futebol, “muitas vezes os jogadores são impedidos de continuar a viagem” quando precisam atravessar alguma das fronteiras controladas por militares israelenses.

O Portal Vermelho recebeu um documento intitulado “Transgressões Israelenses Contra Esportistas Palestinos”, do departamento de Relações Internacionais da Associação Palestina de Futebol (PFA), por meio do qual a organização lista algumas das violações dos direitos humanos por parte dos ocupantes israelenses. 

De acordo com o texto, “lamentavelmente, essas ações também são um total desrespeito dos direitos básicos previstos nos estatutos da Fifa e da Carta Olímpica”. Alguns dos exemplos citados são as detenções arbitrárias dos atletas em trânsito. 

O jogador Mahmoud Kamel Mohammad Sarsak foi detido pelas autoridades israelenses no dia 22 de julho de 2009. “Ele foi preso pelas forças israelenses quando estava a caminho de Gaza para o seu jogo de estreia pelo time Markaz Balata”, afirma a Associação Palestina de Futebol. Sarsak foi libertado em 2012, após passar 90 dias em greve de fome e isso só foi possível após a intervenção do presidente da Fifa e outras entidades desportivas.

Rajoub, por sua vez, destacou durante a reunião com os membros da 3ª Missão de Solidariedade ao Povo Palestino que “esse tipo de dificuldade é encontrada não só pelos jogadores ou atletas, mas também por funcionários e pelas diretorias dos clubes”.

No dia 24 de março de 2010, em um dos lugares mais sagrados para os muçulmanos – a mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém –, forças policiais e guardas da fronteira israelense prenderam Jamil Abbasi, treinador do Islami Silwan Club, sob o pretexto de que a organização estaria sendo financiada pelo Hamas (partido islâmico que governa a Faixa de Gaza). A sentença decretou que Abbasi não poderia participar de quaisquer atividades esportivas. Ele voltou a ser preso em 21 de fevereiro de 2012, pelas mesmas razões, ainda que tenha negado veementemente a relação com o Hamas.

Recentemente, Nader Al-Masri, único representante da Palestina nos Jogos Olímpicos de Pequim e um dos melhores fundistas árabes, foi impedido de sair da Faixa de Gaza para participar da maratona de Belém, na Cisjordânia, marcada para o dia 11 de abril. “Não tenho nenhum antecedente de segurança nem nada. Simplesmente sou um atleta, represento meu país, saio, entro, isso é tudo. Tenho 34 anos e restam cerca de dois para aproveitar”, afirmou Nader em entrevista a uma emissora de rádio local.

Desde 2007, o exército israelense controla a passagem de Eretz, que une Israel com a Faixa de Gaza e permite o acesso à Cisjordânia. De acordo com notícias veiculadas por diversos meios de comunicação na semana passada, a justificativa de Israel para tal denegação é que Al-Masri não cumpre "com nenhum dos requisitos" estabelecidos para permitir aos palestinos atravessar o bloqueio e sair de Gaza.

Peto, o capitão

Uma das maiores comunidades de descendentes de palestinos fora do mundo árabe se encontra no Chile. São cerca de 500 mil descendentes. Um deles é Roberto Kettlun, meio-campista e capitão da seleção de futebol da Palestina, que nasceu em Santiago. Seu avô migrou ao país latino-americano em 1935.

Peto Ketllun. (Foto: Palestine National Football Team)

Peto, como é conhecido, está na Cisjordânia desde 2012, quando foi registrado pelo clube jerosolimita, Hilal Al-Quds (em português, “A Lua de Jerusalém”). Mesmo antes de se mudar definitivamente para a região, o jogador já defendia a camisa da seleção palestina há 10 anos – foi um dos seis jogadores sul-americanos que participaram da fase classificatória da Copa do Mundo da Alemanha (2006), quando a equipe Palestina perdeu para o Uzbequistão e deixou a competição.

“Quando não nos classificamos, sentimos uma grande desilusão. Foi frustrante pela esperança e confiança que o povo palestino tinha em relação ao que poderíamos fazer”, disse Peto em uma entrevista para a rede BBC, na época.

O Portal Vermelho conversou com exclusividade com Peto, em Ramallah. Segundo ele, apesar de tudo, o maior adversário dos jogadores palestinos não está no campo e sim na política israelense de ocupação.

Assista abaixo a reportagem produzida pela TV Vermelho, com o depoimento do jogador:

O craque disse que “todos estão expostos aos abusos que os israelenses fazem dia a dia, não só no futebol, mas na vida cotidiana”. Peto afirmou que “as dificuldades que existem na Palestina para praticar qualquer esporte são as mesmas que tem qualquer pessoa (residente nos territórios ocupados)”.

Constantemente os jogadores precisam viajar a outra cidade e, de acordo com Peto, “muitas vezes [os atletas] ficam retidos no posto de controle militar por horas”, o que resulta em atrasos. Além disso, “o cansaço de passar por esses processos prejudica o rendimento dos esportistas”, completou.

“Quando viajo com o time nacional para fora do país, tenho a obrigação de passar pelas fronteiras controladas por Israel. Quanto volto a entrar, sofro interrogatórios que duram três ou quatro horas”, apontou Peto. Ao mesmo tempo, ele comemorou “nunca ter sofrido nada grave”.

O meio-campista citou alguns exemplos do risco que corre: “[Soldados] dispararam nas pernas de alguns meninos durante um jogo. Certa vez interceptaram o táxi que levava alguns jogadores e eles foram presos sem nenhum motivo”.

Para Peto, “uma criança que vê notícias nos jornais sobre o que aconteceu em um campo de futebol pode perder a motivação, pode ter medo de virar atleta”. De acordo com o jogador, isso é um fator desmotivador para a juventude palestina.

O jogador Peto Kettlun levanta a taça e comemora o título da Copa Palestina 2014. Foto: Arquivo pessoal.

A Fifa instaurou o campeonato profissional na região por reconhecer a Palestina como Estado. Há alguns dias, Peto levantou a taça da Copa Palestina pelo Hilal Al-Quds. Atualmente, a Liga Palestina é formada por 12 times, mas, de acordo com Peto, até o próximo ano este número deve aumentar para 14.

Impugnação de Israel da Fifa

O presidente da Federação Palestina de Futebol, Jibril Rajub, informou durante a reunião com os representantes brasileiros em Ramallah que a Autoridade Palestina irá pedir a expulsão de Israel da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI) por conta das constantes violações. Segundo ele, os palestinos “não aceitarão soluções medianas para os problemas que enfrentam os atletas do país”.

O pedido oficial deve ser feito durante o Congresso da Fifa, que acontece entre os dias 10 e 11 de junho, em São Paulo. A Autoridade Palestina pretende enviar uma comissão ao Brasil para exigir medidas concretas para aliviar as restrições de viagem nos territórios ocupados pelos sionistas.

Segundo informações publicadas recentemente pelo site Inside World Football, autoridades do futebol israelense sustentam que estão intensificando seus esforços para melhorar as condições aos jogadores e funcionários palestinos. No entanto, Rajoub afirmou que “o ‘não’ é a regra para Israel e o ‘sim’ é a exceção”.

Um dos principais argumentos das forças militares israelenses contra os palestinos é que estes utilizam o futebol para ocultar “movimentos e grupos terroristas” dentro da região. Contudo, tanto os atletas como as autoridades negam essa afirmação e denunciam sistematicamente a impossibilidade de realizar treinamentos e partidas da liga palestina, o que consideram como uma opressão.

Jahar Nasser (de branco à esq.) jogando antes de baleado por soldados no estádio 

Faisal al-Husseini. Foto: Associação Palestina de Futebol.

Em janeiro deste ano, dois jogadores palestinos da liga juvenil foram feridos pelas forças israelenses na Cisjordânia. Jahar Nasser, de 19 anos, e Adam Abdel Raouf Halabiya, de 17, foram baleados por soldados após um treinamento no estádio Faisal al-Husseini. Após o processo de recuperação, eles foram informados que a probabilidade de voltarem a jogar futebol é muito pequena.

O incidente também tem sido utilizado pelos representantes palestinos para a denúncia sobre as violações de Israel. “Estes meninos foram baleados nas pernas”, lembrou Rajoub, que ressaltou que a Fifa não pode permitir esse tipo de ataque.

O presidente da Federação Palestina de Futebol pediu ainda que os brasileiros apoiem a causa palestina e se manifestem durante o período do Congresso da Fifa, quando as autoridades devem estar reunidas, pela impugnação de Israel da entidade esportiva.

Neste sentido, os governos do Qatar, Omã, Jordânia, Argélia e Tunísia já asseguraram o respaldo à solicitação palestina. No entanto, segundo Rajoub, são necessários 140 votos para que haja expulsão.


Resposta da Fifa

A Fifa estabeleceu um grupo de trabalho de mediação, que conta com a presença do presidente da entidade, Joseph Blater; do presidente da Federação Israelense de Futebol, Avi Luzon; e do próprio Jibril M. Rajoub.

Blater, que deve regressar ainda este mês à região, quer que Israel e Palestina firmem um acordo formal de cooperação antes mesmo do Congresso da Fifa. Contudo, para Rajoub, enquanto os militares israelenses mantiverem a conduta violenta e enquanto o governo seguir impondo restrições, não haverá acordo.