Renato Lemos: Por que defender o Programa Mais Médicos?

Em nosso Brasil, um país continental em desenvolvimento, com 200 milhões de habitantes, é muito forte o preconceito, o racismo e a exclusão social. Sobretudo, a exclusão a direitos básicos como o acesso à saúde, à educação, à alimentação e à cultura. Nos rincões vemos carências ainda mais profundas.

Por Renato Lemos*

São raras as regiões onde de fato a população recebe acompanhamento médico. Antes do Programa Mais Médicos para o Brasil (PMM), muitas comunidades recebiam visitas de médicos uma ou duas vezes por semana e mais de 500 municípios não tinham sequer um médico. Mas esta realidade está mudando após a implementação do programa.

Hoje, através do Mais Médicos, são 9.501 médicos distribuídos em 3.025 municípios e 31 distritos indígenas, levando assistência em saúde a 33 milhões de pessoas com mais de 14 milhões de consultas (pesquisa Datafolha publicada em 28/03/2014). Segundo palavras da presidenta Dilma, “hoje, há profissionais do Mais Médicos nas periferias das grandes e das médias cidades. Eles estão no interior do nosso país, no semiárido do Nordeste, no Vale do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais. Estão no Vale do Ribeira, em São Paulo, nas comunidades ribeirinhas do Amazonas, na fronteira do Brasil com o Uruguai, e também nas comunidades indígenas e quilombolas (…). Em todos os lugares onde atuam, esses profissionais fazem a diferença, porque garantem atendimento médico para todas as pessoas que precisam, no seu cotidiano, consultar um médico”, entrevista no programa “Café com a presidenta” publicada dia 31/03/2014.

Ainda que não tenha hoje uma estrutura adequada para realizar uma abordagem qualificada, um médico tem a capacidade de realizar ações e diagnósticos práticos que podem diminuir sensivelmente os índices de morbidade e mortalidade em uma região apartada de uma rede de serviços ideal. Contando ainda com os médicos locados em regiões centrais, a somatória das ações tem um resultado bastante positivo. O PMM também é bem avaliado pela população: segundo pesquisa do Data Folha/Interfarma, 70% da população aprovam o programa.

O argumento de que o PMM pode ou poderia prejudicar nossa especialidade (Medicina de Família e Comunidade), ou o próprio SUS, não vigora. A presença de médicos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), sejam eles cubanos ou não, institui uma cultura de facilidade de acesso aos mesmos. O aumento da resolução das demandas de saúde, através do médico de família (todos os cubanos) ou generalista que se encontra dentro da comunidade, indica a relativa vantagem de se ter um médico de família frente a um especialista focal.

Até 2017, o governo pretende abrir 11.500 novas vagas de graduação e 12.400 vagas em residência médica. Destas, 2.403 já foram abertas. O desafio a meu ver é como implantar a qualificação especializada em grande escala através da residência em medicina de família e comunidade padrão ouro para a prática em toda a rede do SUS. Além disso, é preciso mudar valores e princípios dentro da sociedade e especificamente dentro da formação médica, modificando os processos seletivos (vestibular) no sentido dos mesmos terem como maior peso a qualidade humana frente ao conhecimento teórico. Atualmente a universidade centra seu ensino no conhecimento teórico, a despeito deste destinar-se a uma maioria composta de uma elite privilegiada abastada em recursos e com pouco contato com a realidade social. As
qualidades humanas hoje estão no caráter da educação familiar, mas a concepção de mundo e de sociedade é imprescindível na formação universitária do médico. Como isso pode ser feito?

Talvez a nação ainda precise desenvolver esse plano humanitário através das lutas populares pela ampliação de direitos, do aprofundamento da democracia e das conquistas em políticas públicas especificas. Obviamente, o PMM não é a solução para todos os problemas de saúde no Brasil. E nem acredito que seja essa a proposta. O PMM não se propõe resolver o problema da miséria da escassez estrutural, cultural ou mental no Brasil capitalista. E nem mudar as ideias dos graduandos em medicina para melhor ou para pior. Contudo, hoje o PMM é irrevogável: trata-se de uma necessidade urgente, de caráter social e humano.

*É Médico de Família e Comunidade da UBS Rudge Ramos em São Bernardo do Campo (SP)