Celso Lungaretti: O tetra cauteloso de 1994

O Brasil chegou à Copa de 1994 com a responsabilidade de reconquistar a hegemonia do futebol mundial, depois de cinco decepções consecutivas.

Por Celso Lungaretti, no seu blogue

Primeiro foi a desagradável surpresa de ver a Seleção totalmente superada pelo carrossel holandês em 1974, na Alemanha. Mereceu perder a semifinal para o timaço de Cruyff e Neeskens, por 2 a 0.

Consolamo-nos com a avaliação de que havia sido a Copa da entressafra. Uma geração de craques chegara ao fim (Pelé, Gerson, Carlos Alberto, Tostão, Clodoaldo), Jairzinho deixara de ser um furacão e Rivelino não conseguia resolver tudo sozinho.

Foi a defesa que carregou o Brasil, aos trancos e barrancos, até o 4º lugar, aceitando só quatro gols. Pena que o ataque marcou míseros seis, metade dos quais contra o patético Zaire.

Em 1978, na Argentina, Rivelino estava maduro demais e Zico ainda verde. Mas, depois de empates decepcionantes contra a Suécia e a Espanha, a Seleção do técnico Cláudio Coutinho melhorou. Esteve próxima de derrotar os anfitriões (0 a 0), além de obter quatro vitórias.

Só não foi à final porque o Peru entregou o jogo para a Argentina, deixando-se golear por 0 a 6 para que ela alcançasse o saldo de gols necessário.

Por haver terminado a campanha invicto, derrotado apenas nos bastidores mafiosos do futebol, o Brasil autoproclamou-se campeão moral.

A derrota mais sofrida, em 1982

E seria derrotado novamente em 1982, não por armações extra-campo, mas pela fatalidade que se abateu sobre a melhor Seleção do Mundial da Espanha. Como a Hungria em 1954 e a Holanda de 1974, o Brasil maravilhou o mundo mas foi sobrepujado por um adversário calculista em dia de sorte.

Com Falcão, Zico e Sócrates compondo um meio-de-campo notável, o Brasil não se abalou com um frangaço de Valdir Peres, vencendo a URSS de virada por 2 a 1; goleou como quis a Nova Zelândia e a Escócia; e impôs categóricos 3 a 1 à Argentina de Maradona, a outra favorita ao título.

Três falhas da defesa puseram tudo a perder contra a Itália, apesar dos golaços de Sócrates e Falcão.

Os torcedores brasileiros, que desde 1970 não ficavam tão empolgados com a Seleção, respaldaram a renovação, na Copa seguinte, da aposta do técnico Telê Santana no futebol-arte – caso raro após uma campanha malsucedida.

A volta ao México em 1986 não foi, entretanto, auspiciosa. Sócrates e Falcão já tinham passado do auge, Zico andou contundido. Mesmo assim, acumulamos quatro vitórias até a eliminação noutra partida sumamente infeliz, contra o esquadrão francês de Platini.

Com 1 a 1 no placar, Zico desperdiçou um pênalti e a partida foi para a prorrogação, equilibrada até o fim.

Na decisão por pênaltis (3 a 4), brilhou a estrela de Bats, que fez defesa elástica no chute de Sócrates e teve a sorte que faltou ao nosso goleiro: a cobrança brasileira contra a trave (Júlio César) acabou em nada, enquanto a cobrança francesa contra a trave reboteou nas costas de Carlos e entrou.

Tão decepcionados ficaram os brasileiros com essa derrota do futebol-arte que nem se deram conta de que o talento acabara saindo vencedor do duelo contra as rígidas esquematizações táticas: a Argentina foi campeã, com Maradona fulgurante como nunca.

Assim, no Mundial da Itália, em 1990, foi numa rígida esquematização 5-3-2 que o técnico Sebastião Lazaroni apostou, para vê-la ruir como castelo de areia num solitário lampejo de Maradona.

Nove atrás e dois na frente

Em 1994, o técnico Carlos Alberto Parreira avaliou que o fundamental era interromper a série de fracassos, mesmo que sacrificando a beleza e a ousadia novamente reivindicadas pelos brasileiros – comparando as estilísticas exibições da Era Telê com a perda total na Era Dunga (feia retranca, futebol burocrático e desclassificação precoce), os torcedores haviam reassumido a preferência pelo primeiro.

Parreira ficou no meio termo. Descartou esquemas pretensiosos que engessavam o time, como os de Cláudio Coutinho e Lazaroni; e temeu expor a Seleção em demasia, como Telê Santana fizera em 1982.

Optou por um futebol pragmático e cauteloso, com defesa sólida e ataque que aproveitasse bem as poucas chances criadas.

Nos seus planos não cabia Romário, o maior atacante brasileiro então em atividade (no Barcelona), mas tido como independente em demasia. Na verdade, Romário tinha consciência de que podia fazer mais pelo time do que qualquer técnico; e não escondia isto.

Ao final de uma péssima campanha na eliminatória, entretanto, o Brasil não poderia perder do Uruguai no Maracanã, caso contrário se repetiria a tragédia de 1950.

Parreira tremeu. E, a contragosto, atendeu ao clamor unânime dos torcedores brasileiros pelo craque Romário.

Aconteceu o previsível: o baixinho exorcizou os fantasmas com dois belos gols e garantiu seu lugar na Copa, contra a vontade de técnico e cartolas.

Sobre ele e Bebeto recaía a responsabilidade de fazerem os gols, como únicos atacantes avançados. Para servi-los, Mazinho e Zinho, o que não era grande coisa. Tecnicamente superior, Raí estava em má fase: começou como titular e acabou na reserva.

Romário abriu caminho para a vitória contra a Rússia, completada por um gol de pênalti de Raí. 2 a 0.

Repetiu a dose contra a empolgada mas ingênua seleção de Camarões. Márcio Santos e Bebeto fecharam o placar: 3 a 0.

E, assinalando o gol de empate, garantiu o frustrante 1 a 1 contra a Suécia.

Também foi dele o tento que mandou os suecos para casa, na semifinal. 1 a 0.

Bebeto, por sua vez, despachou os anfitriães, nas oitavas-de-final. A vitória sofrida (1 a 0) contra os incipientes estadunidenses dá bem uma ideia de como o futebol brasileiro minguava sob Parreira.

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A partida inesquecível da nossa Seleção em 1994 foi a pedreira contra os holandeses, nas quartas-de-final. O Brasil começou melhor o 2º tempo e, em ótima jornada, Romário e Bebeto marcaram.

De repente, a sólida defesa brasileira desmanchou no ar, tomando gol até em escanteio alçado para a pequena área.

Jogo empatado e se aproximando da prorrogação, quem salvou a pátria foi o lateral Branco, cavando uma falta na intermediária e acertando um petardo indefensável. 3 a 2.

Quanto à final contra a Itália – 120 minutos de quase nada –, foi o que se poderia esperar de duas seleções com medo de atacar.

Aliás, a escalação do Brasil já diz tudo: Taffarel; Branco, Aldair, Márcio Santos e Jorginho; Dunga, Mauro Silva, Zinho e Mazinho; Romário e Bebeto.

Deu no que deu, Romário e Bebeto brigando sempre com uns 4 ou 5 italianos, enquanto quem deveria ajudá-los estava lá atrás…

Já na prorrogação, com a Itália caindo de cansaço, Parreira ousou colocar um terceiro atacante, Viola, deixando o Brasil bem mais perto do gol; e os brasileiros, com a nítida sensação de que uma vitória de verdade teria sido possível.

Sobrou o coitus interruptus dos pênaltis. E deu Brasil, porque a Itália abusou do direito de errar, desperdiçando três deles. Até o craque do time, Baggio, isolou o seu…

Pelo Brasil marcaram Romário, Branco e Dunga. Márcio Santos perdeu o seu e a quinta cobrança foi desnecessária. 0 a 0 no jogo, 0 a 0 na prorrogação e 3 a 2 nos pênaltis.

Os deuses do futebol nos pregaram uma peça, devolvendo pela metade o título que tomaram em 1982: veio a taça, mas não o orgulho de tê-la conquistado com brilhantismo.

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