Salvador-Bahia: “O Carnaval Capital”

 Apesar das controvérsias, a ideia do carnaval está relacionada ao prazer da carne sendo originária da palavra latina "carnisvalles". Contrastando com a privação da quaresma, no carnaval tudo é permitido, a liberdade é o princípio do congraçamento.

Por Carla Liane N. dos Santos*

Salvador-Bahia: “O Carnaval Capital” - Reprodução

A história revela que no carnaval as pessoas preferiam colocar máscaras para que pudessem brincar livremente sem serem identificadas, dançando como se ninguém estivesse vendo, sem repressões morais, controles exacerbados ou julgamentos.

Hoje, Salvador torna-se palco de verdadeiros espetáculos elitistas e subalternos, onde todos querem ser vistos, esbanjando uma euforia muitas vezes infundada e difundindo uma falsa impressão de que, naquele espaço, todos somos iguais.

Podemos afirmar que há justiça social no Carnaval? Onde? De que forma isso se materializa?
O imortal geógrafo Milton Santos diria que o espaço era ao mesmo tempo forma (como as estruturas de uma imagem de satélite de nossa cidade) e função (o processo de ações humanas que constroem a paisagem). Esta noção do espaço como um conceito híbrido, em permanente mudança, está na base de sua síntese: “o espaço é um conjunto de objetos e um conjunto de ações” (SANTOS,1978).

Nesse sentido, fica a seguinte indagação: a quem pertencem os espaços “públicos” da cidade de Salvador-Bahia no período do carnaval? Não precisa ser sociólogo, antropólogo, historiador ou qualquer outro cientista para saber a resposta.

Salvador torna-se palco do Carnaval Capita. Espaço onde são evidenciados os diversos tipos de segregacionismo inerentes à sociedade brasileira. Momento de desnudar a suposta ordem e coesão social pessimamente evidenciada nos demais meses do ano, trazendo à luz a verdadeira questão social a qual nos deparamos: “cada qual no seu quadrado, capital acumulado e o pobre? Pobre coitado!”. De dia são cordeiros, à noite baderneiros, clamando por um “espaço”.

Entoando cânticos de constatação, como o “Lepo, Lepo”; de resistência como: “É difícil chegar, ultrapassar obstáculos dessa exclusão, eu sou breu, eu sou Ilê Aiyê, eu sou Benedita da Silva e o mundo sabe por quê”, o carnaval expressa uma verdadeira revolução, a revolução do capital!

O povo da periferia da cidade de Salvador, troca chances de alegria (“Ô, ô, ô Alegria“) e bem estar, por uma disputa desigual, submetendo-se às batidas dos cassetetes, à troca de murros, pontapés, empurrões, – só para citar as violências mais comuns. Apelam por uma chance de desfrutar do que deveria ser o espaço público. Adentram as ruas com mensagens dizendo “eu não sou de baixar a cabeça pra ninguém!!! Se vier tem e sai de baixo que lá vem a zorra!!!”

Mas há quem diga que o carnaval é o espaço de todos e para todos. Mas afinal, qual é o circuito da nossa emancipação? As máscaras já caíram ou foram trocadas por outras. Por que? Porque sim!
Ambulantes, cordeiros, baianas de acarajés, catadores de latinhas, como bem nos ensinou Nelson Mandela “Tal como a escravidão e o apartheid, a pobreza não é natural. É feita pelo homem e pode ser ultrapassada e erradicada pelas ações de seres humanos”.

Precisamos retomar o sentido de publico e privado para que a naturalização das desigualdades (gênero, raça, sexualidades, etc) a qual “compartilhamos”, não tome a conotação de cordialidade dos corpos dóceis e adestrados historicamente, Assim, estaremos a contribuir para o Carnaval Capital.

Fica aqui uma singela homenagem ao que contrasta com tudo isso. Viva a Mudança do Garcia e os blocos afros que por anos e anos de resistência, seja de dia, ou nas madrugadas, nunca deixaram de entoar em uma só voz: “Branco, se você soubesse o valor que o preto tem. Tu tomavas um banho de piche, branco e, ficava preto também. E não te ensino a minha malandragem, nem tão pouco minha filosofia, por quê? Quem dá luz a cego é bengala branca em Santa Luzia” (Ilê Aiyê).

Nossos braços construíram esse país, lutemos pelo direito à cidadania e pelo nosso espaço.
Salve os 40 anos do Ilê Aiyê, o mais belo dos belos!!!

*Carla Liane N. dos Santos é socióloga e professora adjunta da UNEB/ DEDC-I.