Toussaint Louverture, herói da Revolução Haitiana

O nome de Toussaint Louverture (1743-1803), líder dos escravos haitianos e descendente de um rei africano, aterrorizava os fazendeiros e autoridades coloniais de Cuba, muitos anos depois de sua morte.

Por Marta Denis Valle * na Prensa Latina

Às autoridades de Havana e de Madri, que manteve o controle deste arquipélago depois de perder as principais possessões americanas, preocupava mais a influência das insurreições dos escravos haitianos, que os perigos de guerra com o Reino Unido ou a França, segundo o historiador cubano José Luciano Franco.

A grande revolução dos escravos haitianos começou em agosto de 1791 e, como pólvora ardente, se estendeu numa cruenta guerra civil, de 12 anos, com a intervenção de potências estrangeiras.

Em plena noite e pelo chamado dos tambores ancestrais, estourou o levantamento dos escravos do norte, à margem das disputas de outros grupos sociais depois da eclosão da Revolução Francesa, em 1789.

À frente estava Dutty Boukman, que morreu no mês de novembro defendendo as posições rebeldes, e ainda que sua cabeça tenha sido levada como troféu e exibida em uma jaula, no Cabo, a luta não pôde ser contida.

Meio milhão de escravos, submetidos ao poder dos colonos brancos, negaram-se a continuar nessa condição.

Contra sua ânsia de liberdade chocavam-se os interesses da população branca – 40 mil-, estratificada em dois grupos (os grandes e os pequenos) e dos mulatos e negros libertos – de 24 mil a 28 mil-, classe intermediária com importantes riquezas, mas discriminados nos aspectos político e social.

Segundo um historiador francês, 1.200 plantações de café e 200 engenhos, numerosos edifícios e moradias dos fazendeiros arderam em chamas.

Os brancos de todas as tendências deixaram de combater ao se conhecer a execução do rei Luis XVI – 21 de janeiro de 1793- e o estado de guerra entre França e Reino Unido.

Os colonos brancos entregam aos britânicos as principais cidades ou fugiram para Cuba às centenas.

Ingerência do Reino Unido e da Espanha

Os proprietários franceses assinaram a 3 de setembro de 1793 um tratado com o chefe das forças de ocupação britânicas, general Adam Williamson; muitos deles se uniram a estes invasores, junto a oficiais realistas e antigos servidores públicos coloniais.

Santiago de Cuba converteu-se em refúgio dos escravistas franceses, procedentes da colônia Saint-Domingue (Haiti, seu nome de origem), acompanhados de seus escravos.

Inicialmente, o capitão geral de Cuba, Luís de Las Casas, e o governador de Santiago de Cuba, o brigadeiro Juan Bautista Vaillant, prestaram ajuda às autoridades coloniais francesas do Haiti para neutralizar o movimento insurrecional. Facilitaram-lhes gado, víveres e material de guerra.

Depois, em cumprimento das instruções reais, o governador espanhol de Santo Domingo, brigadeiro Joaquim Garcia, tomou uma importante iniciativa para assegurar a seu país praças no Haiti e entrou em relações com os chefes dos escravos haitianos rebeldes.

Ofereceu-lhes em nome do rei da Espanha socorros em armas e apetrechos de guerra, liberdade, prerrogativas como a seus súditos e terras em Santo Domingo, bem como lhes entregar os territórios de Saint-Domingue que já ocupavam.

Os chefes Jean François e George Biassou aceitaram e passaram ao partido espanhol com seus homens e também Toussaint Louverture, que operava então com um pequeno exército de 600 homens.

A partir de agosto de 1792, forças militares espanholas e tropas auxiliares ao comando de François, Biassou e Toussaint Louverture estabeleceram-se conjuntamente nesses territórios.

Cuba participou, cada vez mais, nos acontecimentos que tinham lugar na ilha vizinha, quando a Espanha e o Reino Unido fizeram aliança durante a Guerra da Convenção (1793-1795) – dos Pirineus ou do Rosellón – contra a França revolucionária e, a partir de 1796, novamente com Paris.

Pelos chamados Pactos de Família, a Espanha foi aliada da França contra o Reino Unido durante grande parte do século 18; a mudança de aliança ocorre quando o rei francês Luis XVI morre na guilhotina, primo-irmão da então rainha consorte da Espanha, Maria Luisa de Parma, esposa de Carlos IV.

Esta guerra teve graves consequências para a Coroa Espanhola pois os exércitos franceses ocuparam, nas campanhas de 1794 e 1795, a Catalunha, o País Basco e Navarra, até Miranda de Ebro (Província de Burgos).

Pela Paz de Basileia (1795), Madri cedeu a Paris o território de Santo Domingo (atual República Dominicana) para recuperar os territórios peninsulares ocupados.

Depois disto, a Coroa hispânica assinou, a 18 de agosto de 1796, o Tratado de San Ildefonso com a República francesa, que estabeleceu a ajuda militar se alguma das partes entrasse em guerra com o Reino Unido; outro acordo, em outubro de 1800, converteu a Espanha em aliada dos planos belicistas de Napoleão Bonaparte.

Libertador de escravos

O destacado estudioso do tema José Luciano Franco assinala o fato de que esta rebelião produziu homens como Toussaint Louverture, que podem ser comparados com os melhores revolucionários de outros países da América.

Nascido escravo, a 20 de maio de 1743, próximo do Cabo Francês, alguns autores dizem que era bisneto de um rei africano.

Há fontes que situam François Dominique (Toussaint Louverture) entre os promotores da insurreição, enquanto outras afirmam que se somou mais tarde, depois de enviar seus antigos amos para o exterior.

Diz-se que foi secretário de Biassou, em cujas forças ingressou como médico devido a seu conhecimento da medicina tradicional africana, transmitido de um ancestral que fora capturado na África pelos traficantes negreiros.

Criança doente, trabalhou como cocheiro do amo; adquiriu educação autodidata mediante a leitura; iniciado por seu padrinho Pedro Bautista, aprendeu francês, algo de latim e geometria; com o tempo adquiriu também grande força física.

Despontou como o militar e político mais importante; seguido pelas massas escravas, derrotou os invasores britânicos e espanhóis, depois de aceitar primeiro lutar sob a bandeira destes últimos; ambos tiveram que lhe render honras.

Defendeu a República Francesa quando aboliu a escravatura e, mais tarde, as tropas de Napoleão não o conseguiram vencer, pelo que simularam um pacto que culminou com a traição, prisão e morte do caudilho em uma prisão da França, de fome e frio, a 7 de abril de 1803.

Foi brigadeiro do exército espanhol; general do exército francês, general em chefe dos exércitos da Ilha e governador do Haiti.

Toussaint Louverture levou também a liberdade aos escravos da parte espanhola de Santo Domingo (hoje República Dominicana).

A antiga metrópole restabeleceu a escravatura, em 1802, mas a luta prosseguiu até a derrota total dos franceses e a proclamação em 1804 da independência do Haiti, a primeira República negra do mundo.

A República Haitiana, nascida 210 anos atrás, teve notável influência nas sublevações de escravos e lutas abolicionistas no século 19, daí os temores dos praticantes da plantação escravista em Cuba, que substituíram o Haiti como o engenho do mundo.

Foi significativa a ajuda haitiana a Simon Bolívar para libertar definitivamente a Venezuela e criar a Grande Colômbia, passo prévio da derrota da Espanha na América do Sul e a independência de vários povos irmãos.

*Historiadora, jornalista e colaboradora da Prensa Latina