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Quartim: acusação pela morte de Chandler é deslavada mentira

Olavo de Carvalho, um ideólogo da extrema-direita, lançou vários ataques no Jornal do Brasil e no Diário do Comércio (reproduzidos na internet, em “blogs” que lhe são afins) contra o professor e dirigente comunista João Quartim de Moraes. O pretexto desse

A passagem da entrevista que mais enfureceu o agressor é a que reitera nosso imprescritível dever de fidelidade aos que deram a vida na luta contra o regime de opressão instaurado pelo golpe de 1964: “perante a memória histórica do povo brasileiro, cometeríamos a pior das infidelidades à memória de nossos mortos se consentíssemos em pagar, pelas boas relações com os militares de hoje, o preço do esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura”.


 


À guisa de réplica, o sr. O. Carvalho afirmou falaciosamente que João Quartim de Moraes teria sido o “mandante do assassinato do capitão americano Charles Chandler” e “que, na falta de realizações intelectuais, o homicídio político é uma glória curricular mais que suficiente pelos atuais critérios do establishment universitário brasileiro”.


 


Essas e outras agressões pessoais e insultos rasteiros suscitaram amplo movimento de repulsa. O Vermelho recebeu mensagens de solidariedade de dirigentes políticos do PCdoB, PCB e PT, bem como de inúmeros intelectuais de diversos pontos do país. Uma moção de desagravo na internet recebeu grande apoio. Em dois dias, chegou a quinhentas adesões. Inquieto, O. de Carvalho reagiu numa transmissão radiofônica emitida a partir de sua base operacional em Richmond, nos Estados Unidos. Começou anunciando que o assunto era “fecal”; mesmo assim dedicou-se a ele durante mais de meia hora.


 


Seu grito de guerra foi ouvido por um punhado de admiradores recrutados no fundo do tacho da extrema-direita. Sem tardar, eles invadiram a lista de solidariedade, emporcalhando-a com sórdidas mensagens, até torná-la irrespirável. (veja o artig “Arruaceiros da internet“, de José Carlos Ruy). Foi necessário organizar nova lista, dessa vez munida de detector de fascistas. Ela permanece aberta para quem mais quiser manifestar sua solidariedade.


 


Para esclarecer os fatos passados e as implicações políticas presentes da agressão reacionária, Vermelho entrevistou João Quartim de Moraes.


 


Parece que o objetivo principal desses ataques é alimentar nos quartéis a animosidade contra a esquerda, impedindo qualquer tipo de diálogo entre as Forças Armadas Brasileiras e os setores democráticos, particularmente os de esquerda. Além das impropriedades que dirigiu contra você, ele vituperou “a afoiteza obscena com que certos militares brasileiros, em nome das boas relações com os assassinos de seus colegas de farda, se curvam docilmente a essa dupla moral, calando o que deveriam berrar desde cima dos telhados”. 
Embora tenha sido dispensado pelo truste Globo (jornal O Globo e revista Época), o  sr. O. de Carvalho continua decidido a turvar o ambiente político. Politicamente, é um provocador alimentado por seu notório fanatismo anticomunista. Ideologicamente, é um  propagandista da extrema-direita, particularmente dos remanescentes da auto-intitulada “comunidade da segurança” da ditadura. Qual a força desses extremistas, aninhados no que seus colegas de farda chamaram “bolsões radicais”? Não creio ser muito grande, mas seria irresponsável subestimá-las. O. de Carvalho não escreve apenas na grande imprensa do capital. Expõe também sua sombria visão da história na Revista do Clube Militar, em que é considerado um importante pensador.


 


Na atual conjuntura qual seria a postura correta da esquerda em relação às Forças Armadas?
As Forças Armadas integram a estrutura do Estado, só se tornando sujeitos políticos autônomos no Estado de exceção, cuja mais recente expressão histórica entre nós foi a ditadura militar de 1964 a 1985. Com todas as suas limitações, a Constituição de 1988 define as funções que elas devem exercer no âmbito do “Estado democrático de direito”. Nesse âmbito, cabe-lhes executar as diretrizes governamentais definidas pela presidência da República, aplicadas pelo Ministério da Defesa e submetidas ao controle do Congresso nacional. Obviamente, enquanto cidadãos, os militares são livres de ter as convicções e opiniões que quiserem. Muitos deles, vencidos os preconceitos de muitas décadas de intoxicação ideológica, poderão ser sensíveis a uma plataforma avançada que assuma as grandes aspirações históricas das forças progressistas brasileiras: reformas sociais avançadas que ponham fim à miséria de nosso povo, desenvolvimento das forças produtivas de nosso país, afirmação da soberania nacional através de uma política externa independente e voltada para a integração sul-americana.


 


 


Mas isto não significa que a esquerda deva abrir mão de exigir esclarecimentos  acerca daqueles que cometeram crimes de tortura e assassinato durante o regime militar. Este tipo de processo aconteceu na Argentina, Uruguai e agora começa a ocorrer no Chile…


Como salientou o artigo de Augusto Buonicore no Vermelho de 20 de agosto, por ter sustentado que, na busca do necessário diálogo democrático com os militares, a esquerda não pode abrir mão da exigência de esclarecimento dos crimes cometidos durante a ditadura, atraiu o furor do sr. O. de Carvalho, que me acusou falaciosamente de ser mandante de um homicídio político.


 


 


O que você tem a dizer sobre a ação do comando que matou o capitão norte-americano Charles Chandler em outubro de 1968?
A fonte mais séria, nesse assunto como em muitos outros, é Combate nas trevas de Jacob Gorender. A morte de Chandler resultou de uma ação conjunta do então chamado “grupo Marighella” (futura ALN) e da também futura VPR, cujo principal dirigente era o ex-sargento Onofre Pinto, assassinado anos mais tarde pela “Operação Condor”. A ação foi correta? Estávamos sob um regime de exceção, instaurado pelo golpe contra-revolucionário de 1964. Perante esse ato de força imposto ao povo brasileiro, a resistência invocava o antiqüíssimo direito de rebelião contra a tirania, contrapondo a violência revolucionária à violência reacionária. O militar estadunidense era veterano do Vietnã e tinha vindo para cá para “cooperar” com os serviços policiais da ditadura. Isso justifica a decisão de matá-lo? Hoje, quase quarenta anos depois do episódio, a tendência é dizer que não. Mas a morte está na lógica dos confrontos armados. O homicídio que vitimou Chandler foi um entre centenas de outros, a maioria dos quais cometidos contra militantes da resistência ou considerados tais pelos órgãos repressivos da ditadura. Todos estão sujeitos ao julgamento da História.


 


 


Face às acusações da extrema-direita, é  imprescindível que você esclareça seu papel nesse episódio.
Declaro peremptoriamente que me imputar a iniciativa da morte de Chandler (da qual eu teria sido “mandante”) é uma deslavada mentira. Detenhamo-nos um momento num comentário sarcástico que me dirige: “E eu mesmo, cínico e indiferente à ternura que jorra do coração do prof. Kfouri, fugi para os EUA antes que desse na veneta filantrópica do indigitado a idéia de constituir às pressas mais um tribunal revolucionário e me mandar para o beleléu como fez com o capitão Charles Chandler”.


 


Compare-se essa acusação debochada com o “Adeus ao Globo”, que ele próprio escreveu em 5 de julho de 2005, num “blog” que lhe pertence: “Quando fui demitido da revista Época, a explicação que recebi foi “corte de despesas”, medida […] sem qualquer sentido político ou mesmo jornalístico. Logo depois, o diretor de redação, Paulo Moreira Leite, deu com a língua nos dentes, quando, em resposta a um leitor, expressou toda a raiva política que a minha pessoa lhe inspirava. Agora, acabo de ser demitido do Globo com a mesma desculpa”. O bate-boca do queixoso com os que o despediram é de escasso interesse. Mas seu caráter aparece, sem máscaras, na peroração final, também em tom debochado, de seu desabafo contra O Globo: “Querem saber do que mais? O corte brutal do meu orçamento doméstico é, nas presentes condições, uma libertação. Vou mais é para Virginia Beach tomar banho de mar, ouvir as bandas, ver a queima de fogos e participar da alegria nacional deste país hospitaleiro e generoso. O Globo que se dane”. Declara, pois com todas as letras que deixou o Brasil para ir “tomar banho de mar” no país do sonho americano. Mas na hora de me insultar, pretende ter fugido para lá afim de não ser mandado “para o beleléu”, como eu teria feito “com o capitão Charles Chandler”. Afinal: estava fugindo de mim ou mandando O Globo danar-se?  Além disso, jamais fui preso. Sinceramente não sei o que levou o homem de Richmond a fazer tal afirmação.


 


 


Ao dizer esse tipo de coisa ele estará tão seguro da impunidade? Ou, embriagado com o próprio canto, acha que pode provar o que diz?
Não sei qual das duas hipóteses é a mais provável. Assinalo que não só ele, mas outros da extrema-direita, nomeadamente um certo Carlos I. S. Azambuja, também propalam as afirmações falsas. Ele, em apologética resenha divulgada no “blog” “Lycarion” em  22/11/06 sobre o livro A verdade sufocada, de autoria do coronel Brilhante Ustra, afirma não somente que fui um dos que “participaram do Tribunal Revolucionário que condenou Chandler”, mas que “também (participei) da ação que o assassinou”. É uma mentira em dose dupla que, aliás  desmente O. de Carvalho, o qual em uma proclamação radiofônica proferida a partir de seu acampamento de retaguarda em Richmond, EUA, chamou-me de assassino covarde porque eu teria mandado matar sem ter valentia para matar eu mesmo. Os dois mentem tanto que a mentira de um desmente a do outro.


 


 


Mas afinal, você foi ou não condenado por participação na morte do capitão Charles Chandler?
Permita que eu responda com uma certidão de antecedentes criminais. Ela comprova que não tive nenhuma participação no episódio. Tinha responsabilidades, que sempre assumi, na coordenação do trabalho junto aos operários e estudantes e na imprensa clandestina, que atuavam naquela organização. Por serem responsabilidades dirigentes, o inquérito policial sobre a VPR me indiciou, em 1969, também em relação ao caso Chandler. Mas eram tão frágeis os indícios (eu pretensamente teria participado de uma reunião que deliberou matar o capitão estadunidense) que a promotoria militar sequer me denunciou.


 


Fui denunciado, com efeito, no tribunal militar, nos termos do artigo 12 do DL 898/69 (a Lei de Segurança Nacional elaborada sob o regime do Ato Institucional nº5) e nos artigos 21, 23, 25 e 28 do DL 314/67 (a Lei de Segurança Nacional de 1967). Por que duas leis diferentes? Por que, respeitando nesse ponto um princípio universal do direito penal, a acusação se fez pela lei de 1967, para os fatos ocorridos durante sua vigência, naqueles artigos que eram menos draconianos do que a de 1969.


 


O artigo 21 do DL 314/67 pune a tentativa de “subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou de indivíduo”. O artigo 23 refere-se aos “atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva”. O artigo 25 tipifica “praticar massacre, devastação, saque, roubo, seqüestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo; impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização”. E enfim, o artigo 38 concerne à propaganda subversiva. Fui absolvido de todas essas imputações.


 


 


Mas nenhum desses artigos se refere ao caso Chandler…
Nenhum. Meu envolvimento com o caso não foi além do indiciamento policial em 1969, repercutido com alarido, na época, pela imprensa comercial. Por isso, vale enfatizar, sequer fui denunciado pela promotoria por homicídio político, que está tipificado no artigo 32 do DL 898/69 e no artigo 28 do DL 314/67.


 



Como ficou então sua sentença condenatória de 1977?
Fui condenado pelo artigo 12 do DL 898/69, que diz: “Concertarem-se mais de 2 (duas) pessoas para a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos anteriores: Pena: Reclusão, de 1 a 5 anos”. E, como disse, fui absolvido da acusação de ter incorrido nos artigos 21, 23, 25 e 28 do DL 314/67.


 


 


Quais são os “artigos anteriores” a que o artigo 12 remete?
São os artigos 8, 9, 10 e 11. Punem, em grau máximo com a morte, “Entrar em entendimento ou negociação com governo estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil” (Art. 8º); “Tentar, com ou sem auxilio estrangeiro, submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou soberania de outro país, ou suprimir ou pôr em perigo a independência do Brasil” (Art. 9º); “Aliciar indivíduos de outra nação para que invadam o território brasileiro, seja qual for o motivo ou pretexto” (Art. 10º); “Comprometer a Segurança Nacional, sabotando quaisquer instalações militares, navios, aviões, material utilizável pelas Forças Armadas, ou, ainda, meios de comunicação e vias de transporte, estaleiros, portos e aeroportos, fábricas, depósitos ou outras instalações” (Art. 11º). Vale explicar, até para dissipar as besteiras que sobre o assunto disseram e escreveram os plumitivos do obscurantismo político, que o artigo 12, pelo qual fui condenado, pune o fato de se associar para cometer os crimes dos artigos 8 a 11. Se, além da associação, tivesse eu cometido alguns destes crimes, teria sido condenado por ele(s) também.


 


 


Como você tem sentido o movimento de solidariedade que se formou em torno desse episódio?
A solidariedade dos companheiros e amigos vai direto ao coração, mas não surpreende. Seriam verdadeiros companheiros e amigos se ficassem em silêncio diante de um golpe tão maligno e tão baixo?


 


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