Jeosafá Gonçalves: Entrevistando Miss Deise

Durante a manifestação do Largo da Batata, em 17 de junho, conhecemos Deise, uma moça de 23 anos de idade vinda de Guarulhos, onde nasceu, especialmente para juntar sua voz aos protestos. Como não conhecesse muito o bairro, retornou com este que a entrevista e com a artista plástica Mazé Leite até a estação Faria Lima do Metrô, de onde a passeata partira.

Por Jeosafá Fernandez Gonçalves*


Foto: Blog Mudar São Paulo

Portávamos cartazes feitos à mão, a partir de ilustração de João Pinheiro. Fomos parados inúmeras vezes para sermos fotografados. Numas das seções de foto, um batalhão de manifestantes nos fez ficar parados perto de dez minutos com os cartazes erguidos.

Decidimos, então, entrevistar essa moça, que tem a cara e o coração da geração que pôs o país do futebol, em plena realização da Copa das Confederaçoes, nas manchetes do mundo, porém, por outras razões. Quem são esses novos agentes políticos? O que pensam? O que desejam? Fala, miss Deise:

Deise / Foto: Blog Mudar São Paulo

Jeosafá Fernandez Gonçalves: A passeata do Largo da Batata foi sua primeira participação em manifestações públicas?
Deise: Não, eu já tinha participado de uma edição da Marcha das Vadias, gosto de apoiar movimentos feministas.

Você pertence a algum grupo, sindicato, partido, igreja, associação etc?
Não, nunca pertenci.

O que a motivou a ir ao Largo da Batanta no dia 17 de junho?
Alguns amigos foram na manifestação do dia 13 de junho. Eu estava em casa acompanhando os comentários pelas redes sociais, tenho amigos que apanharam, levaram bala de borracha, inalaram gás etc., fiquei revoltada com a ação da PM e com as declarações dadas posteriormente pelo Alckmin, embora eu ache a causa da redução da tarifa muito importante, a ação da PM me motivou muito a participar da manifestação do dia 17.


Foto: Mídia Ninja

O que achou das manifestações que se espalharam pelo resto do país?
Eu vejo pontos positivos e negativos. Acho bacana essa moçada ter tomado gosto por sair às ruas, ter tomado gosto por política. Política é jogo e a gente pode ser a peça ou o tabuleiro, acho que muita gente cansou de ser tabuleiro e quis virar peça agora, isso é muito positivo.

Por outro lado eu me decepcionei um pouco com o rumo que as coisas tomaram. Acho que quando juntamos a indignação, a falta de uma formação política mínima e o desconhecimento da história do país, dá nisso que a gente viu acontecer. Vi bandeiras que estavam na luta há muito tempo serem queimadas por quem está chegando agora, por mais que os partidos estejam um pouco “perdidos” hoje em dia, não dá pra desqualificar a importância deles. A maioria dos que gritaram “sem partido” desconhecem a luta que esses mesmos partidos já travaram e os avanços que alcançaram. Essa moçada que acordou agora não pode desqualificar quem nunca dormiu.

Eu também não concordo com pauta genérica, não concordo com quem vai às ruas sem saber o que está falando, e não acho que se deve ir a uma manifestação quando não se concorda com determinada pauta. Até aí tudo bem, mas precisa ficar claro que manifestação não é reserva de mercado da esquerda ou da direita, não tem nada disso na CF [Constituição Federal]. Qualquer um pode se manifestar, inclusive acho que é prova de maturidade democrática ver um país com manifestações pró e contra determinado tema. Por isso me causou um incomodo enorme ver a hostilização que alguns grupos (de esquerda e de direita) sofreram.

Que achou dos quebra-quebras, incêndios de viaturas da imprensa e saques?
Acho que uma manifestação pacífica tem sim um grande valor, mas vou bater na tecla da história de novo. Se traçarmos um panorama histórico das conquistas do povo, a gente vai ver que os atos foram sim de violência. Historicamente a violência nas manifestações tem o papel de resistir às mudanças que contrariam os interesses das massas e de brigar pelos seus interesses. Eu considero mais como um ato de resistência e de reação.

É fácil pro cidadão de classe média que mora nas redondezas da Avenida Paulista dizer que essas atitudes são desnecessárias, mas as minorias são violentadas diariamente, em diversos aspectos, seja pela truculência da PM, ou por não ter acesso aos bens que ela mesma produz etc. Foi chocante pra classe média (classe na qual eu me incluo também) ver seus membros serem agredidos de tal forma pela PM, isso fica bem claro na mudança do discurso da mídia depois do que aconteceu no dia 13 de junho. O que eles viram acontecer com jornalistas e universitários na Av. Paulista é o que acontece todo dia nas favelas.

Mas mesmo vendo essa violência dos grupos oprimidos como atos de resistência e de reação, eu acho que existem limites a serem considerados. Estamos indignados? Sim, muito, mas precisamos direcionar essa indignação ao alvo certo. Tem uma grande diferença entre depredar um banco e depredar o boteco do Zé ou a papelaria da Maria.

Também me assustei quando vi em uma matéria 'prints' de uma discussão no facebook, eles discutiam se deviam ou não retirar as pessoas de dentro do ônibus antes de queima-lo, essas pessoas definitivamente não entenderam nada e com certeza não estavam ali pela tarifa. Talvez a infiltração desses grupos tenha sido a desvantagem da manifestação ter tomado proporções tão grandes.

Já em relação a queimar carros da imprensa eu acho totalmente dispensável, a manifestação precisa da imprensa e o trabalho dos jornalistas deve ser respeitado.

Quanto aos saques que aconteceram, existem casos e casos né. É diferente quando um estudante saqueia uma loja e quando um morador de rua faz o mesmo, as duas situações aconteceram quando as lojas do centro foram invadidas, teve morador de rua roubando celular, TV, tablet etc. pra vender e comprar droga depois, eu acho que na verdade ele é só uma vítima desse nosso sistema tão desigual.

Que acha da participação de grupos mascarados?
Oportunismo.

Eu só conheço dois grupos mascarados o Anonymous e o Black Bloc. O Anonymous eu considero quase uma piada, não sei como é a ação do grupo no exterior, mas aqui no Brasil o que eu vi era pessoa com a máscara do Guy Fawkes segurando cartaz pedindo o impeachment da Dilma, a volta dos militares e o fim do “lulismo”, eu não consigo levar essa rapaziada a sério.

Já o Black Bloc é um grupo que se denomina como anarquista, eles me parecem mais sérios, mais instruídos, eu concordo com algumas ideias apresentadas por eles, mas não concordo muito com a forma com que eles agem.

Os grupos que cobrem o rosto nas manifestações são todos iguais ou você vê alguma diferença entre eles?
Não são iguais, existem diferenças ideológicas entre eles, de vez em quando eu visito as páginas na internet desses grupos e vejo uma confusão danada. Eles se contradizem bastante. Não simpatizo muito com nenhum deles.

Que lições tirou para você das manifestaçõeos de que participou?
Acima de tudo, que eu ainda tenho muito a aprender.

Você pretende participar de outras? Por quê?
As manifestações feministas têm o meu apoio, sempre que possível eu participo. Já manifestação com outra pauta em questão vai depender muito da pauta e do grupo organizador, se eu concordar, sim, eu vou. Não me basta mais ficar insatisfeita e não fazer nada.

*Jeosafá Fernandez Gonçalves é escritor, professor, comunista e ativista cultural. Entrevista feita para o Blog Mudar São Paulo