Renato: Devolução do mandato de Prestes foi reparação histórica

Nesta quarta feira (22), o Senado da República evoca sua vertente pluralista e democrática ao recuperar – simbolicamente – os mandatos do senador pelo Partido Comunista do Brasil Luiz Carlos Prestes e de seu suplente, Abel Chermont.

Por Renato Rabelo*

O nosso líder da bancada comunista no Senado, senador Inácio Arruda, encaminhou, no ano passado, uma proposta declarando nula a Resolução da Mesa do Senado Federal que extinguira o mandato do senador Luiz Carlos Prestes e do seu suplente, Abel Chermont, ambos eleitos pelo Partido. Hoje o Senado reescreve a história. Neste processo de cassação, além da mácula jurídica e inconstitucionalidades existentes na Resolução da Mesa do Senado naquela ocasião, há também uma mácula política de um ato antidemocrático de cassação de parlamentares eleitos pelo povo. Esta proposta buscou reparar esse duplo erro, fazendo justiça à história e à nação brasileira. Temos sentido orgulho: Pre stes é um patrimônio do povo e do Brasil.

Sem dúvida, Luiz Carlos Prestes foi uma das personalidades mais marcantes da história brasileira, como afirma Inácio em sua justificativa contra a extinção do mandato destes líderes partidários.

Desde 1922, exatamente quando foi fundado o Partido Comunista do Brasil, Prestes com apenas 24 anos começou a participar do movimento e das revoltas tenentistas dos anos 20. Esta situação refletia e gestava as condições para a superação da República Velha e o nascimento do Brasil moderno, processo coroado com a Revolução de 30.

Em meados dos anos 20, junto com Manoel Costa, Prestes resolve comandar uma grande marcha pelo país, com o objetivo de levantar o povo contra o governo de Arthur Bernardes. Este acontecimento ficou conhecido na história como a longa Marcha da Coluna Prestes. Era manifestação da aurora de um Brasil novo que ia surgindo. Esta marcha teve como rumo a luta contra os impostos exorbitantes, a desonestidade administrativa, a falta de justiça, o amordaçamento da imprensa, as perseguições políticas, o desrespeito à autonomia dos estados, a falta de uma legislação social e reforma da Constituição sob estado de sítio. Foi uma das maiores marchas políticas da história mundial, que percorreu o Brasil durante largo tempo e terminou na Bolívia em 3 de fevereiro de 1927. Prestes era louvado como o “Cavaleiro da Esperança”. Em seus escritos militares o líder da Revolução Chinesa, Mao Tsétung, reverencia esta experiência brasileira de luta contra o conservadorismo, e afirma ter sido ela uma referência importante para a Longa Marcha realizada sob seu comando durante a Guerra Popular chinesa.

Somente em 1934 Prestes obtém sua filiação ao então Partido Comunista do Brasil, que na época tinha a sigla PCB. Em 1935 Prestes participa da Aliança Nacional Libertadora e é aclamado como presidente de honra da organização. Com o crescimento do movimento democrático o governo extingue a ANL com base na Lei de Segurança Nacional. Prestes é preso em 1936 e depois condenado a 16 anos de prisão.

A redemocratização de 1945 e 1946 e a atuação de Prestes

Com a entrada do Brasil na 2ª Grande Guerra e com a participação dos comunistas desde o primeiro momento, a situação política se alterou, pois o país ainda vivia sob o tacão da ditadura estadonovista. Em agosto de 1943 o Brasil declara guerra à Alemanha e à Itália, o que repercute fortemente na conjuntura interna brasileira. Neste período foi aprovado no Partido a formação da Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP) responsável pela convocação da Conferência da Mantiqueira, em agosto de 43, para reorganizar a Direção Nacional, pois a maioria se encontrava nos cárceres da ditadura. A Conferência elegeu a nova Direção Nacional com uma plataforma de União Na cional em torno de Vargas e de apoio ao esforço de guerra brasileiro. Prestes estava preso na ocasião e foi eleito In Absentia secretário-geral do Partido.

Em 18 de abril de 1945 é baixado o Decreto Lei 7.474 concedendo anistia a Prestes e aos demais presos políticos durante o Estado Novo. Prestes passa a ser o comunista de maior expressão popular em nosso país. A partir daí suas manifestações e discursos darão o tom da intervenção partidária na época. Suas entrevistas e comícios eram muito concorridos. Foi assim que pronunciou o importante discurso União Nacional para a Democracia e para o Progresso, em um comício no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro.

Na oportunidade expressou visão bastante otimista sobre a conjuntura internacional do pós-guerra, apostando num cenário de pacificação geral entre as potências e a expansão gradual e pacifica do socialismo e das chamadas democracias populares em nível mundial. Propõe uma plataforma de união nacional para solucionar os graves problemas nacionais e chegar de maneira pacifica a eleições livres e honestas à Assembleia Constituinte e a reconstituição democrática do país.

Em São Paulo, no dia 15 de julho de 1945 o Partido realiza comício do estádio do Pacaembu com a participação de mais de 100 mil pessoas, o maior estádio de futebol que existia na época. Nesse dia, Prestes recebe a notícia da morte de sua esposa, Olga Benário, em Berlim, e faz pronunciamento defendendo a realização de eleições para a Assembleia Constituinte. Pablo Neruda, um dos mais importantes poetas de língua castelhana do século 20 e que em 1971 recebeu o prêmio Nobel de Literatura, recitou um poema em homenagem a Prestes. Este ato acabou tendo grande repercussão internacional.

A eleição para a Constituinte foi realizada e o Partido Comunista do Brasil obteve 9% dos votos e elegeu 14 deputados federais e seu primeiro senador, Luiz Carlos Prestes. Em 18 de setembro de 1947 é promulgada a nova constituição com muitas contribuições da bancada comunista consagrados em seu texto, como a questão dos direitos trabalhistas e da liberdade religiosa. Em 7 de maio de 1947 o Tribunal Superior Eleitoral determina o cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil. A partir daí Prestes passa a viver na clandestinidade e em 27 de maio do mesmo ano o Senado da República aprova o projeto da cassação dos mandatos dos representantes comunistas. Foi um retrocesso ao avan ço democrático conquistado – que se reforçava com a vitória das forças aliadas na Europa e a derrota ao nazifascismo.

Em 29 de outubro Vargas foi afastado do poder pelos militares aliados à UDN e ao governo norte americano em função de uma série de fatores como a promulgação da lei antitruste, a chamada Lei Malaia, e a organização dos comícios populares. Houve uma guinada de Vargas no sentido de uma política trabalhista de centro-esquerda e com aspectos nacionalistas. Somente em março de 1958, após quase 10 anos na dura clandestinidade é que Prestes tem a sua prisão preventiva revogada no governo eleito de Juscelino Kubitschek.

A cassação dos mandatos comunistas e do Partido Comunista, em 1947, significou uma evidência dos curtos períodos de abertura e de liberdade política no Brasil. A imposição da ilegalidade à existência do Partido Comunista – e deve-se registrar que o arbítrio ditatorial visava sempre primeiro os comunistas – era uma espécie de termômetro que revelava o grau de liberdade democrática em que vivíamos naqueles tempos de autoritarismo e obscurantismo em nossa história política.

Hoje, revelando o longo período de democracia por que passa o Brasil, se repara com este ato simbólico o estigma antidemocrático na história do Senado Federal. É restituindo os mandatos de senador de Luiz Carlos Prestes e de seu suplente Abel Charmont que o Senado pratica um ato de grandeza democrática. Prestes é uma personalidade marcante da história do Brasil, um grande patriota e lutador das causas sociais. Uma nódoa de nossa história é reparada. Ganha a democracia em nosso país!

No momento em que os mandatos dos parlamentares comunistas foram cassados, em 1947, eles subiram nas cadeiras e, de mãos dadas, gritaram: “Viva o Partido Comunista do Brasil! Viva Prestes! Viva os trabalhadores! Nós voltaremos!”. Hoje, o PCdoB clama uníssono: nós voltamos, crescemos e seremos muitos!

* Renato Rabelo é presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)